domingo, 24 de dezembro de 2017

O professor

O PROFESSOR

Acordei esta manhã pensando no que meu amigo Teófilo me disse no encontro de professores no Bar de Zé Ramos, aqui, em Campos na última sexta feira. Todos foram unânimes em dizer que, atualmente, o melhor país das américas para alguém emigrar é Vera Cruz, aqui, pertinho. Meus colegas de trabalho foram veementes em dizer: “Ainda não é primeiro mundo, mas, é um país emergente e cheio de planos para o futuro”. Lembro-me que eu disse assim: “Então, Vera Cruz é um país do futuro”. Meus amigos porém, me alertaram quanto a alguns problemas que a sociedade ainda não encontrou uma solução. Em Vera Cruz, você ganha pouco, mas, a vida é alegre. Dizem que é o povo mais feliz do mundo. Marcos, docente de matemática frisou muito bem frisado: “Em Vera Cruz o povo é alegre, hospitaleiro. O povo de Vera Cruz é muito pacífico”. Devo confessar que minha pessoa encheu os olhos com tudo isso. “Um povo alegre”. Logo, me preparei para a não muito curta viajem. São 300 quilômetros de jornada num sertão imenso que se perde no horizonte azul. Peguei o ônibus na Rodoviária de Campos rumo a Vera Cruz as duas da manhã. A estrada estava clara, a lua no céu sergipano de Campos era um disco de luz cheia de vaidade. Um senhor, natural de Vera Cruz estava no transporte dos anos 90. Ele a conversar com o trocador desabafou o que seus 80 anos de vida guardavam no fundo do baú. “Vivi, sofri, sorri, e muito mais!” Mas, para Vera Cruz não volto mais”. O velho ia buscar as coisas em Vera Cruz para traze-las para Campos. “Aqui, em Campos”, disse o velho ao romper a fronteira com a Bahia: “Tudo é mais descente”. Fiquei a pensar nas palavras do velho e me aproximei do mesmo durante a viagem. “Amigo, com licença, desculpe me meter assim em sua conversa, mas é verdade que o que se fala de Vera Cruz é tudo inverdades?” “Opa, como vai amigo!” “Sim, o que ocorre em Vera Cruz é que as pessoas assistem demais televisão”. “Como assim?” Em vera cruz os governos concedem concessões de mídias para que estas sirvam aos interesses de seus governantes. Em Vera Cruz tudo é só mídia”. “Pois”. Calei me por um momento, depois, resolvi refletir durante a viagem sobre as duas histórias. O ônibus finalmente chegou a Vera Cruz. A rodoviária ficava a uns vinte minutos de onde nos encontrávamos. Abri a janela e deixei o vento entrar, aproveitei para ver a paisagem. Defronte as casas na beira da estrada havia sempre uma bola. Ela tinha três cores: Branco, a cor considerada divina; a amarela, considerada inocente e valente, e a negra, considerada maldita, negligente e preguiçosa. As bolas tinhas estas cores e cada família chutava sua bola 7 vezes por dia. O habitante de Vera Cruz que não soubesse chutar a bola colorida era considerado uma pessoa sem estudo, sem educação e sem princípios morais. “Meu amigo, aqui, chutar uma bola é questão nacional”. Disse me o velho. Continuei a mirar a paisagem e desta feita vi um grupo de pessoas que pareciam comemorar, empolgadamente, alguma coisa. Ocupei o velho ancião mais uma vez com minha curiosidade: “Comemoram o que?” O velho me disse que não comemoravam nada. Era porque em Vera Cruz tudo é motivo de festa. Insisti com o velho. “Porque você diz isto?” “Espia!” Virei para a janela mais uma vez e passavam carros alegóricos multicoloridos. Os carros subiam e desciam as avenidas fazendo alegorias e neles as pessoas contavam uma história. Perguntei ao velho de novo: “Cidadão de Vera Cruz, por favor, me explique isto, pois, eu não entendo”. O velho, então virou – se na minha direção e suspirou. O seu suspiro liberou palavras pelo seu nariz afilado como os homens da Europa. E as palavras se juntaram umas às outras formando um texto, mas, minha pessoa não conseguiu lê-lo. Angustiei-me muito por não ler o texto, mais uma vez ocupei o coitado do velho. “Moço!” “Moço!” O homem não me respondia. As demais pessoas do carro também, e até, o motorista e o trocador estavam como o velho: Eram todos bonecos de borracha sem boca e olhos. Suas mãos algemadas com algemas velhas e enferrujadas. Levantei-me de meu assento, finalmente. Dirigi-me até o homem e dele fui ao motorista. Todos estavam sem vida, mas, não mortos. Era como se um coma tivesse se alojado. Ora ou outra eu ouvia um sussurro de alguém como que sonhasse: “Em quinze dias tudo estará resolvido”. Abri a porta do veículo e dirige-me ao outro lado da rua. Era um grupo de pessoas que contavam uma história sobre seu mundo e passado. Eles repetiam a mesma coisa uns aos outros e depois perguntam: “Acreditou?” A cena se repetia sucessivas vezes até a pessoa dizer: “Sim”. Cada um tinha sua bola tricolor e segundo a necessidade eles batiam uma pelada no final da tarde. Resolvi andar pelo novo e promissor país. Andei, andei, até que lembrei-me de pegar minhas coisas que haviam ficado no sinistro veículo. Ao retornar para o carro ele não mais estava lá...

sábado, 23 de dezembro de 2017

SEPARAÇÃO

SEPARAÇÃO

Ela não lhe dava mais beijos ao amanhecer.
Ele estava assustado.
Será que não estou mais em seus sonhos?
Seu coração apressado corria sem direção.

O homem se rende quando a dor é no peito.
Todo homem busca a paz, sejamos inteligentes!
Os descontentes estão na fila da exceção.
Via de regra, o homem é um pássaro sempre em busca do ninho.
Ele é bicho; ele é gente, e gente tem coração.

Ela não o elogiava mais; de sua boca uma porção peçonhenta em três turnos emanava.
O vapor de enxofre lhe ardia o nariz;
Seus olhos não mais se encontravam.
Era uma sala vazia cheia de personagens congelados.
Mais um homem amaldiçoado!
Mais uma mulher só na estrada.

Ela não mais reclamava a data do aniversário;
Nem lhe exigia a mão;
Nem caminhava com ele na mesma trilha: “Nossas vidas estão distantes”.
Essa era a lógica, o dito, a teoria consagrada.

O homem vestiu preto até o próximo janeiro.
A moça cheirou o lenço de um homem viajante.
Ele chorou lágrimas tantas que o mar se agitou.
Ele e ela permaneceram em terra estéreo até ouvirem um canto de sabiá em algum lugar...





A DIFERENÇA


Vou jogar tudo pro alto e fazer da vida uma viagem de férias. Vou cair no asfalto; vou dirigir até o fim do combustível; vou evitar as coisas sérias; vou fazer de meu dia uma alegria possível. Conjugarei meu verbo com minhas próprias desinências; serei um soldado que não dá continências; serei um homem livre; a regra, agora, não importa, pois, fiz a escolha certa; sou eu quem abre e fecha a minha porta.
Mas, ensinaram-me a ser como os demais. Que a igualdade faz a crença, e que ela é o laço apertado, o segredo do cadeado; a confissão na igreja da matriz; ela é uma antiga feiticeira e uma velha meretriz.
Fechei os olhos para o outro; sim, esse outro que não se cansa nem se quebranta; o outro que é tu e eu, pois, dizem que as aves de rapina não se fadigam na campina. Tua carniça é degustada todas vezes que corres solto. Tua moral, teu bem e teu mal são a cobiça de minhas retinas.
Ah, amiga diferença! ah, amiga estranha! A repudiaram na primeira quadra antes da menina dobrar a esquina.
Mas, tu te dizes livre! Mas tua liberdade ninguém tira, mas tua paciência não tem fim, mas tua agonia é mentira. Mas como tu te enganas, ó, homem de dores! Tu iludes a ti e a mim! Quem sabe encontres um nova cidade. Quem sabe acordes do sonho. Quem sabe alguém nos diga alguma verdade. A afirmação do luto me torna menos bruto, isso é um fato, contudo, nada disso altera o cardápio, todos os dias temos o mesmo prato, nada esquisito, nada estranho. É tudo a mesma coisa! Mas, no entanto, sou mil abelhas e uma colmeia.
E se eu desse certo? E seu eu fosse eterno? Toda eternidade será castigada no primeiro segundo! E se eu pudesse pesar o mundo, e se eu pudesse dizer tudo diferente, tratar você como meu parente com certeza tudo seria melhor!
Mas, repito vou jogar tudo para o alto e fazer da vida uma viagem de férias...




EU QUERO SER FELIZ


Hoje, vou deixar o ontem para trás. Vou fazer tudo diferente; vou encantar quem passa e vou dizer para mim mesmo que sou mais um igual a todas as pessoas contentes.
Hoje, vou ser feliz, não vou mais quebrar o nariz com brigas e porfias que nada me acrescentam. Quero ter um dia de sonho e uma encantada manhã ensolarada cheia melodias de aves silvestres.
Hoje, eu sei o que ontem não sabia, sinto o que não sentia, e que meu rosto enrugou-se no inverno escuro do ano passado.
Hoje, meu coração não salta mais quando me deito na cama; estou definitivamente equilibrado como os dois pratos de uma balança a sustentar o mesmo quilo.
Hoje, entendo que minhas escolhas foram coalhas que nem a gata que crio. Sou, sei eu, um fardo no mundo a queimar gasolina nas estradas deste sertão.
Mesmo assim, insisto em ser feliz; em ir tirar água no chafariz da cancela com a moça bela que a serra me deu. Ou em acreditar que posso ser melhor apesar do ontem que me pesa como um saco de cimento nas costas.
Oh, consciência por que me acusas?
Eu sou um homem que só quer viver!
Sou um peregrino que deseja um rumo que tenha um destino, um lugar para ficar.
Hoje, eu espero o que anelo de chinelos na mão abraçado com meu irmão que não via há séculos.
Hoje, descalço passeio no asfalto quente das ruas e avenidas. Cobiço toda moça dengosa e destilo minha prosa como bebida rara.
Hoje, eu trago a mim mesmo para cá. Faço de mim um novo cara; uma nova face a sonhar cheia de emoção, contudo, o ar rarefeito, a luz solar, e o calor do dia me dizem do tempo em que eu sofria, o tempo de meus defeitos, os dias que nunca passam, uma estrada num precipício sem proteção.
Hoje, eu digo hoje. No entanto, o ontem me ensinou a dizê-lo, o ontem me deu o fazê-lo, o ontem também é coisa de hoje; é momento que não passa, é história que se conta, é piada com ou sem graça, mas, ele nunca disfarça como o hoje. O hoje é sempre mentiroso, muito mais que o ontem.
Hoje, eu minto descaradamente para meu vizinho quando digo “bom dia”. Hoje eu estou preparado para o amanhã.
Sim, talvez a morte seja mais sincera do que o ontem e o hoje. Talvez a morte seja mais verdadeira de que minha franqueza.
Ai, deste homem tão medíocre que sou, tão confuso e perdido entre faces que se diluem nas multidões!
Ai, de mim que não sei quando sou, nem o que sou, ou quando serei.
Mas, mais uma vez insisto: Eu quero ser feliz!



EDITORIAL DE DEZEMBRO

EDITORIAL DE DEZEMBRO/2017

No Brasil, a população paga quatro meses de impostos. Já disseram que é uma das maiores carga tributária do mundo. Os nossos governantes dizem para a população que as coisas devem ser por aqui como elas são no primeiro mundo. Agora mesmo fizeram uma reforma trabalhista para ficarmos mais parecidos com os mercados do primeiro mundo. O que os políticos, tão comprometidos com a nação precisam ver é que: O Brasil não precisa ser igual ao primeiro mundo nas obrigações trabalhistas ou tributárias somente. Precisamos dos direitos e benefícios do primeiro mundo, afinal, somos a oitava economia deste planeta. O mundo todo sabe disso; é pena que pouquíssimos brasileiros tem esta consciência. Mas, não podia ser diferente, o estado brasileiro oferece uma educação pífia, sem rumo, sem meta, sem destino, só enrolação como tudo mais nestes torrões de Vera Cruz. A população brasileira é educada mesmo pela televisão, pelo rádio, pelo senso comum. Adivinhe quem são seus proprietários! A maioria das concessões de mídia são dadas a políticos. Somos milhões de alienados que pensam ser uma nação que estar a caminhar para algum lugar; e hipnotizados pela mídia que sem trégua nos afasta todos os dias da verdadeira realidade deste país abraçamos a esperança que o no ano seguinte tudo será diferente: “Pense, invente, faça um ano novo diferente!” É assim que eles dizem para uma população de miseráveis que todos os dias passam horas de olhos grudados na tela maldita que lhes inventa mentiras e falsas esperanças. O que ocorre no Brasil é um crime contra a humanidade! O estado brasileiro precisa ser deposto, o povo precisa assumir o controle da nação. As últimas falcatruas do Congresso brasileiro me fizeram perder de vez toda e qualquer esperança em mudanças via eleição. Qualquer eleição no Brasil agora será manipulada, pois, estamos no andar de um golpe cruel que resultará na criação de um exército de favelados além dos que já existem pelas ruas das capitais deste país. Precisamos de intervenção internacional para acompanhar as coisas por aqui, pois, ao mesmo tempo em que o nosso país se apresenta desta forma e com estes representantes nos deparamos com a necessidade de cuidarmos de riquezas que não interessam apenas ao Brasil. A Amazônia, por exemplo, está sendo administrada por esta gente que assiste sentada cheia de regalias a destruição do maior bioma do mundo! Acorda Brasil, Acorda ONU, acorde você! Um feliz natal se puder!

sábado, 4 de novembro de 2017

EDITORIAL DE NOVEMBRO

4/11/17, CAMPO DO BRITO.

Se você é brasileiro não vote mais ou vote nulo, pois, votar é legitimar um congresso cuja grande maioria está envolvida em corrupção. Como não sabemos mais quem é quem a postura correta é não votar ou votar nulo. O voto confere a eles o ancoro legal que precisam para formar seus bandos, suas quadrilhas. O Brasil não é um país sério, e nossos políticos são os responsáveis por isso. Não compre o discurso “seja você o exemplo”. A sociedade e a mente social construída pela família e pela escola dependem do sistema educacional, e este não funciona porque a classe política na sua maioria não contribui para isso. São séculos de omissão e más intenções. Acorde, votar é coisa de alienado. O nosso maior protesto deve ser o silêncio nas urnas!!!

domingo, 29 de outubro de 2017

DELÍRIOS

“Ainda, bem que ele acordou melhor humorado. Eu já estava farta de tanta risada! Eu não suporto quando ele está com os amigos. Fica falador, fica rico, fica até gastador! Na verdade, eu não sei o que passa pela minha cabeça em viver com esse homem. Homem nojento! Um calor desses, e só toma um banho por dia! E o pior, ganha muito mal”.

Amanheceu nublado em Tobias Barreto. O povo não via o sol. O calor abafado era intenso. As nuvens eram cinza escuro. A qualquer momento a trovoada chegaria. Na Avenida 7 de junho, o movimento era normal. Alguns iam, outros vinham, alguns paravam em algum lugar para fazer alguma coisa. O carro de som anunciava a morte de Ana ou Donana como os filhos gostavam de chamá-la. Donana era uma mulher de fibra. Criou os dois filhos com muito esmero. Clodoaldo fez o curso no SENAC e virou barbeiro. O rapaz melhorou de vida. Antes era ajudante de pedreiro junto com seu irmão, Marcio, que hoje é pedreiro “colher cheia”, um homem da construção, um mestre. Donana morreu de enfarto ontem à noite. Depois da novela ela tomou um susto com o miado de um gato no telhado de sua velha casa no Padre Pedro. Seu marido Francisco estava dormindo na poltrona ao lado do sofá.

O enterro de Donana foi muito movimentado. Veio gente da roça, na maioria parentes da finada. Francisco acompanhou sua mulher o tempo inteiro. Todos sabiam, e isso era certo, que Francisco era um homem fiel. Um homem de casa.

- Francisco, meu amigo, Deus te conforte!

- Obrigado compadre! Deus lhe pague a caridade! Francisco desceu com seus dois filhos e parentes em direção a sua casa no conjunto Padre Pedro. A família ficou conversando um pouco sobre o ocorrido na pequena sala da casa do casal antes de ir deitar.

- Francisco, quem diria que a comadre tinha o coração fraco?

- Num é comadre! Donana sempre foi forte e batalhadora, não imaginava que ia ser tão ligeiro.

- Pois, num foi homem! As pessoas ficaram um bom tempo com a morte de Donana na cabeça. O povo quando sabe a causa da morte se aquieta e entrega nas mãos de Deus.

- Deus a tenha em um bom lugar! Disse o velho Almerindo do Candial.

Depois da morte de sua mulher, Francisco nunca mais dormiu uma noite inteira. Acontecia uma coisa ou outra, e o homem estava em pé alta madrugada. Às vezes, ele conversava, por horas, com ele mesmo. Ninguém via, pois, o homem, passou a morar só. Sua idade não era tão avançada, contudo, 57 anos de luta o deixou um pouco quebrado.

- Francisco o que foi aquilo ontem a noite rapaz? A luz acessa a noite inteira, e você com o chinelo para lá e para cá pela casa inteira.

- Rapaz, depois que a mulher morreu, eu fiquei assim. Ou custo a dormir, ou acordo no meio da noite.

- Compadre, isso é depressão pós-óbito! Eu vi isso no Jornal! Procure um médico!

- Que nada, Reginaldo! Logo passa! Um ano inteiro passou e o problema de Francisco não via melhora. Agora, o homem não dormia mais. O povo já estava sabendo.

- Seu Francisco! Melhorou?

- Não!

- Rapaz, dizem que tem um pastor que reza, e o povo cai.

- Rapaz, eu num estou com coisa ruim, não!

- Eu sei rapaz! Mas, o homem é de fé! Francisco combinou com Reginaldo para ir a Igreja do Cristo Eterno. Não demorou a chegar o sábado. Segundo Reginaldo, no dia de sábado, eles chamavam o Espírito Santo, era, então, dia de Libertação.

O endereço da Igreja era na Avenida Getúlio Vargas. Um salão bem grande ao lado de uma renovadora de pneus. O lugar estava cheio de gente. Tinha gente de todo tipo, com doenças várias. Uma senhora, de meia idade, trazia um pássaro na gaiola para o pastor orar, segundo ela, Deus cura até os bichos.

- Eu num sei, mas, creio em Deus primeiramente, depois, no pastor, que está um pouco abaixo dele. Mas, Pastor Silvio é uma benção! Isso encheu a alma de Francisco.

A hora da oração poderosa havia chegado. Foram cantados três hinos de louvor. O dirigente anuncia a prece divina. O pastor Silvio se levanta. Todos olham para o homem. Seu terno era de boa qualidade e combinava muito bem com seu sapato preto de couro falso. O homem pregou trinta minutos antes de orar. Depois da oração ele perguntou quem havia sido curado. Francisco pensou consigo que só saberia mais tarde à noite. O homem chamou um auxiliar e disse: “Moço, eu só sei se fui curado a noite”. O auxiliar ao ouvir Francisco deu glória a Deus e puxou o homem para frente onde estava o púlpito. “Esse homem foi curado pela fé!” A multidão entrou em êxtase, a gritaria chamou a atenção de quem passava. Outras pessoas se declaram curadas. No outro dia Reginaldo vai a casa de Francisco.

- Tá melhor Francisco?

- Rapaz, com fé em Deus, sim!

- É assim mesmo. A razão diz que não, a fé diz que sim. E, aí, se a fé vencer! Venceu! Glória a Deus! Francisco voltou a dormir. Uma mulher da feira, uma senhora morena do Candial, amiga de Almerindo, primo de Francisco, ensinou ao viúvo o chá da folha do maracujá. O homem tomou; foi tiro e queda! “Rapaz, depois que Deus me mostrou dona Coisinha, eu durmo toda noite!” “É, meu irmão, Deus responde as orações de três maneiras: Não quero, mais tarde, ou de outro jeito”. “Como é o nome da mulher mesmo?” “Coisinha do Candial”. A igreja ficou muito alegre com a cura do homem.

- Irmã Francisco!

- Sim!

- Vai para a Igreja hoje?

- Num perco por coisa alguma! Minha igreja é sagrada! Francisco virou crente da igreja do Cristo Eterno. Com sua conversão outras pessoas se tornaram crentes também.

Um homem de 58 anos, viúvo, na Igreja não daria outra coisa. Muitas irmãs velhas que nunca casaram, e outras separadas começaram a cobiçar o pobre Francisco.

- Mulher, ele é branquinho mais num faz diferença não!

- Ave! Eu sei mulher! Mas, é que dizem que homem branco daquela idade já tá meio bichado.

- Mulher, Francisco é homem de bem. Se ele num funcionar mais, e daí? O que conta é que é um servo de Deus! Foi até curado!

- Sei não! Ademais é quebrado, vive dos projetos sociais do Governo. As duas conversaram até perto da Igreja na Av. Getúlio Vargas. Quando entraram se calaram para ouvir o pastor pregar.

“A igreja está sentido a necessidade de mais um diácono; acho que o Senhor quer Francisco”. As pessoas olhavam uma para a outra e não entendiam o que estava acontecendo. Francisco, um diácono da Igreja do Cristo Eterno?

- É o pastor não olha se a pessoa é rica ou não.

- É verdade Carlos, nosso pastor é um homem simples. Graças a Deus pela vida de Silvio

Francisco se tornou diácono e a igreja comprou um carro velho, usado, não tão velho, bonzinho, com o dinheiro que Francisco doara da venda do terreno na Capoeira que O Senhor mandou: “Meu servo, a igreja precisa evangelizar; a pé num dá”. Agora o coitado só tinha os dois filhos. O barbeiro e o pedreiro.

- Reginaldo! Deus sabe o que faz. Colocou no meu coração doar venda do terreno, mas, tenho meus filhos, no caso, que precise me amparar.

- Pois, num é homem de Deus! Rapaz, Deus tá agindo em tua vida de forma maravilhosa. Primeiro te curou. Depois te fez diácono, e agora colaborador de missões. Num sei não, mas, você foi escolhido.

- Eu estou achando. Disse Francisco com muita alegria no coração.

Os meses passaram. Finalmente, Francisco se casou. Raimunda era uma baixinha que tinha uma lojinha na Avenida Sete. Ela vendia artigos de decoração. Francisco subiu de vida. Agora andava de carro. Raimunda se confortou do celibato de vinte anos. O casal era aparentemente muito feliz. Os dois frequentavam a Igreja do Cristo Eterno todos os cultos, não faltavam um dia. Francisco chegava e sentava à porta pelo lado de dentro do templo. Seu trabalho era atender quem chegasse. Seus dois filhos, Clodoaldo e Marcio se converteram. Reginaldo um dia disse para Francisco: “Quem crê verá a Glória de Deus!” A alegria tomou conta de todos. Num se falava noutra coisa em Tobias.

- O negócio agora é ir para a igreja de crente num instante você se ajeita na vida!

- Num é rapaz! Num foi o que Francisco fez! Macaco velho!

- Que nada rapaz! No caso de Francisco é diferente. O cara é abestalhado mal sabe falar.

Dona Raimunda assistia à novela das oito quando ouviu um miado forte no telhado. Ela se assustou e deu um ataque. A levaram para o hospital. Seu coração batia muito fraco. A mulher ficou em Aracaju internada dois dias. A pobre não resistiu às sequelas do infarto e morreu. Francisco esteve ao lado de sua mulher o tempo inteiro. Era como se fosse um servo devoto.

“Ainda bem que ele acordou bem humorado hoje. Ele me faz de burra o tempo todo. Esse homem é um cretino e ninguém vê. Agora tá rico. Cabra safado! Eu vou me vingar de você Francisco!”

Estas foram as palavras que Francisco ouviu em seu estado de sonolência antes de se levantar da cama. A cidade estava estarrecida com o sofrimento de seu filho amado. O segundo casamento, uma tragédia, mais um infarto sem misericórdia. Os negócios de Raimunda iam de vento em popa. Dona Canário, mulher de Marcio, filho de Francisco foi ajudar o pobre homem a levar a loja adiante. A família unida era um exemplo para a igreja. Pastor Silvio foi chamado para Aracaju. A Igreja do Cristo Eterno em Tobias estava sem pastor.

- Por que ninguém bota Francisco para ser pastor?

- O homem não sabe dizer nada.

- Mas, a vida é que conta!

- É, mas, é preciso conhecimento também.

- Sei não, esses pastores de teologia, sei não!

Francisco se tornou pastor da Igreja do Cristo Eterno. Seus dois filhos diáconos. Suas noras diaconisas. A igreja tinha muito respeito por Francisco. “Vamos orar para Deus dar a Francisco uma mulher santa, uma mulher de Deus!” No mesmo ano, agora Francisco com 61, conhece e se casa com uma jovem de 38. Isso provocou falatório no meio do povo. Os homens entendiam mais, as mulheres entendiam menos. “Mulher, Francisco tá enganado! Dores num é mulher para ele não! Aquela ali antes de ser crente traçou os homens da cidade toda. Ali é uma cabra desgovernada! O pobre Francisco vai ser corno!” “Mulher Deus o guarde!” Altamira sempre apelava para a força suprema. Dores poderia ser desgovernada, mas, era bonita e rica; e Francisco, velho e feio, pobre não era mais. A vida dos dois continuou, a igreja cresceu, o povo parou de falar. Os filhos e noras de Francisco se fizeram na vida. Cada um tinha seu negócio. Francisco tinha casas, terrenos, e roças. Dava para a igreja, e dela recebia.

“Sabe mulher! Esse homem ainda vai fazer mais arte. Cala boca sua peste que você se deitou com ele. Eu gostava dele. Mas, você não!”

Mais uma manhã de sol na velha Vila de Campos. A cidade estava eriçada com a aproximação das festas juninas – o Forrotobias. Este é um evento que atrai pessoas de todo o estado para a cidade. Dá muito lucro para os comerciantes locais e alegria para as pessoas em geral. Muitos rostos, muitas conversas em becos e lojas. A cidade fervia como um caldeirão de dendê. Um carro para defronte a delegacia regional. Era um Fiat uno cor branca. Nele estavam o agente da Silva e o investigador Damasceno.

- Bom dia doutor!

- Bom dia Damasceno! A investigação em Aracaju está evoluindo?

- Sim, positivo. Temos argumentos para acusarmos Francisco de homicídio. Todavia, não temos como ligar as evidências a ele, e isso dificulta tudo.

- Mas como farão isso?

- O agente Da Silva tem um plano. O rapaz coçou a garganta três ou quatro vezes antes de falar. Tremia o tempo inteiro. O delegado Antunes estava quase pedindo para Damasceno explicar no lugar dele.

- Como disse doutor eu vou me infiltrar na instituição a fim de me aproximar de seu líder e ter acesso a sua casa. Não podemos fazer com mandato porque ele goza de total confiança da população e o mandato não teria procedência.

- Entendo! Os dois saíram e foram tomar café numa pequena lanchonete na Praça do Cruzeiro.

A investigação em Aracaju levantava a suspeita que as duas mulheres haviam sido assassinadas. Ambas carregavam elevados níveis de potássio no sangue. A suspeita é que as mulheres receberam injeções de alguma substância contendo esse sal que provoca infarto fulminante. Mas não havia nada material que relacionasse isso a Francisco, no entanto, a pessoa mais próxima às vítimas era Francisco. Se elas receberam alguma coisa, Francisco seria a testemunha. Os homens da lei fizeram perguntas e investigaram a vida do Pastor. Mas nada foi encontrado. Nem o rapaz que se infiltrou na igreja descobriu nada. Ele apenas juntou provas que Francisco se beneficiou nos dois casamentos. A justiça se deu por satisfeita. O falatório cessou.

- Tá vendo rapaz, como o homem era inocente. Só serviu para o povo gostar ainda mais de Francisco. Coitado, perdeu as mulheres e ainda levou nome ruim.

- Rapaz, num foi.

- Foi.

Reginaldo nunca largava seu amigo e irmão na fé. Uma noite ele foi vê-lo.

- Rapaz, graças a Deus que tudo ficou esclarecido. Há males que vem para o bem. Mais uma vez eu digo para o amigo, Deus tem uma obra muito grande em sua vida. Francisco baixou a cabeça e a balançou como se dissesse eu não sei.

- Amigo; essa vida de evangélico é muito complicada. Acho que vou ficar no meu cantinho. Estou quase com setenta. Entrego a igreja para os filhos e fico visitando no fim de semana.

- Num diga uma coisa dessa não que Deus lhe castiga! Disse Reginaldo com muita sinceridade.

- Rapaz; é porque você não está no meu lugar. Igreja é coisa pesada. Francisco estava mesmo querendo se afastar do púlpito, ou seja, do olhar do povo. Queria viver sua viuvez com sua nova esposa Dores mais a vontade. Era assim que ele dizia: “Minha viuvez com Dores”.

“Mulher! Ele se sente no direito de descansar! Veja que cara de pau! Você nunca desconfiou?” “Não! Mas uma vez eu percebi que ele estava aplicando algo em mim de noite. Era uma pontada muito fina. Isso por dias. Mas eu não conseguia reagir. Estava muito mole”.

Francisco nunca deixou de ouvir os sussurros no ar. Ele sentia em seu sistema nervoso que havia pessoas o acompanhando o tempo inteiro. Ele não sabia quem eram as pessoas, mas, desconfiava. Muitas vezes, ele procurou ajuda na psiquiatria. O diagnóstico era o mesmo: Ele tinha delírios psicóticos pelo uso prolongado de remédios controlados. Por causa disso, ele não dava muita atenção às vozes baixas. Inúmeras foram as noites que ele foi ao portão atender alguém e ninguém estava lá, a voz e o barulho, lá fora, não era ninguém. Ele se acostumou com as coisas. Dona Coisinha do Candial fechou o corpo do crente no início de sua fé. Na verdade, Francisco nunca se afastara de Coisinha. Isso era muito curioso, mas, ninguém sabia. Dores sua mulher não viveu com seu marido. O homem não dava no couro, como dizem. A sonolência e o cansaço tiraram o vigor de Francisco.

- Dores! Faça uma gemada!

- Pra que Francisco?

- Rapaz eu acho que hoje tem festa. Se Deus quiser!

- Dores fez uma gemada forte de ovo de galinha de capoeira e trouxe para seu marido.

- Francisco bebeu a gemada e aguardou o resultado. Por volta das onze horas, sua mulher o pega cochilando na preguiçosa da área da frente. Sua revolta foi tanta que ela foi embora e nunca mais voltou. Dores viu Francisco a última vez no Fórum, no dia em que foram assinar o divórcio.

- Coitado de Francisco! Eu num disse que ele é abestalhado!

- Abestalhado sortudo!

- E corno também. Eu tenho prova que Dores saía com Claudinho do lava jato!

- Deixa de estória rapaz! O homem é de bem!

Marcio ficou no lugar do pai. A igreja sempre dizia quando Marcio era chamado para pregar: “Quem vai pregar hoje é Marcio, é? Então o Senhor vai derramar fogo!” Quando Marcio recebeu do pai a Igreja, o povo disse que Deus apareceu a irmã Cleonice. “Eu vi, irmã, quando aquele homem de branco deu o cajado para Marcio”. Francisco, agora com 66 anos, muito tranquilo, foi morar numa roça depois da Bela Vista. Um terreno bom de tudo. Nascia todo tipo de verdura. A vizinhança era gente boa, todo mundo gostava de Francisco. Nos finais de semana ele vinha a Tobias para ver a família e visitar a igreja. O povo seguia sua religião com muita fé em Deus.

- Francisco, vida de rei agora. Na rocinha, muita paz, e no final de semana com Deus. A gente não pode se afastar dos caminhos do Senhor.

- Não Reginaldo, isso nem pensar. Mas, agora recomeço minha vida e estou velho. Deixa a nova geração fazer, e eu dou o suporte.

Na verdade os anos que seguiram foram assim mesmo. A igreja continuou na Getúlio Vargas. Ela crescia, e a família de Francisco melhorava. Até chegou a criar filiais, uma no Conjunto Irmã Dulce, e outra no Padre Pedro; esta última era a predileta de Francisco. “Onde abundou o pecado superabundou a graça”. A coisa só não virou um paraíso porque as vozes estavam aumentando. Em vez de uma vez por dia, agora era uma vez a cada duas horas, intercalado com presenças, e sustos noturnos. Francisco dormia muito pouco a noite. Durante o dia, ele dormia e comia.

- O irmão Francisco está precisando de uma companheira. Disse Marivalda. Uma viúva de um vereador. A mulher tinha muito dinheiro. Comenta o povo que, em Aracaju, ela tinha dois apartamentos, e um, em Salvador. Em Tobias ela tinha uma vila de casas para aluguel. O marido se foi e ela ficou com tudo. A pobre nunca tivera filhos. Seu útero era infantil. Fez de tudo. Até macumba, e não teve sucesso.

- Também acho! Falou com muita convicção dona Rosinha proprietária da Casa das Sucatas – onde você compra tudo abaixo do preço. A mulher encheu a boca de água quando tocou no nome de Francisco.

O velho Francisco escolheu Marivalda. Com o casamento ele voltou para a sede do município, mas, não se metia no trabalho do filho pastor. A igreja era uma coisa, Francisco era outra. Os anos se abreviaram, parecia que o tempo criara asas e saiu voando. A igreja cresceu e mudou de endereço – uma divina revelação alertou a Marcio que cada vez mais perto do Suti melhor. Construíram um templo enorme ali. Os pobres se afastaram por falta de transporte, contudo, Marcio nada percebeu, pois, hoje em dia, em igreja grande, todo mundo tem carro.

A novela das oito começa às nove, às vezes depois das nove. Tobias estava coberto de neblina, era final do mês de julho. Marivalda coberta com panos grossos estava no sofá da sala. A morena de olhos claros e feições afiladas sentia muito frio; principalmente, nos pés. Por volta das dez horas, um gato mia forte no telhado da casa. Embora a casa fosse forrada o miado assustou a viúva, e a mulher passou mal. Segundo ela, o coração parecia que ia sair pela boca. Suas têmperas latejavam fortemente, seus olhos pareciam pular das órbitas, o sangue queria esguichar das artérias dos braços, das pernas e do pescoço.

- Corre, corre que a mulher está morrendo!

- Francisco e os filhos levaram a mulher para a Casa de Caridade. Em pouco tempo, o povo comentava nas calçadas.

- Mulher! Que homem azarado é esse? Eu num caso com ele de jeito nenhum! Todo mundo morre!

- É assim Cremilda. Os caminhos do Senhor parecem tortos, mas, no final é tudo para a glória Dele.

“O safado aprontou de novo Raimunda! É Donana! Está na hora de dar um basta nisso!”

Marivalda morreu na madrugada de terça feira, no mesmo dia que a finada Donana bateu as botas. Seu enterro foi rápido porque o corpo cheirou mal cedo. O caixão fechado irritou amigos e parentes que queriam dizer adeus a “Mari”- como a pobre era conhecida. No velório e enterro uma presença estranha engrossava a massa humana que tinha ido se despedir da finada. Era o investigador Damasceno. O homem observava todos os movimentos de Francisco, suas expressões faciais, suas palavras, etc. Tudo era rigorosamente anotado. As perguntas eram feitas sem levantar suspeitas. Pouquíssimas pessoas em Tobias sabiam da investigação.

- Vossa excelência estranhou, então?

- Sim, investigador Damasceno.

- O Ministério Público deseja respostas coerentes. Assim não dá! Todas morrem enfartadas e com a pressão artéria lá em cima? Não dá! Estamos falando de gente rica que tem plano de saúde.

- Sim, e Francisco sempre termina como herdeiro de tudo. O homem era pobre que nem Jó, e hoje é rico? O negócio dele é casamento seguido de óbito, será? Questionou Damasceno.

- Seu Promotor, posso entrar na propriedade dele no Candial? Continuou o investigador.

- Por quê?

- Tenho a intuição que ele guarda alguma coisa lá.

- O que?

- Agulhas especiais. Elas podem injetar substâncias e a marca é quase microscópica.

- Rapaz, o homem seria capaz disso? Ele num é abestalhado, analfabeto? Perguntou o Promotor Alex.

- Todo mundo é capaz de qualquer coisa. Filosofou o investigador.

- Vá! Mas, não me envolva, pois, estamos fora da lei, não há mandato!

Para não chamar a atenção da Silva e damasceno vestiram roupas semelhantes a dos nativos da terra. O chapéu de palha os protegia do sol da Bahia e cobria suas feições de gente da capital. Com certa dificuldade, sem serem vistos, entraram na propriedade pela cerca dos fundos. Passaram lá mais de uma hora. A casa foi toda revirada. Os dois agentes da lei nada acharam. Da Silva viu os coqueiros de Francisco. Todos estavam carregados. Os cocos pareciam bons. O desejo de beber água de coco os levou para o coqueiral do sítio. Seu tamanho não era grande uns cinquenta metros de cumprimento por trinta de largura. A areia branca, fofa e fria alimentava aquela beleza de saúde e vida e que matava naquele instante a sede dos homens sedentos.

- Da Silva vem aqui!

- Aqui a terra é branca, e aqui ela é amarela. Vamos cavar só pra ver se a gente tem sorte? Os homens levaram mais vinte minutos cavando o chão do Candial. No final do serviço, a terra era preta. De dentro do buraco tiraram um baú de madeira de uns quarenta centímetros de frente e trinta de largura. O móvel estava enrolado em lona e saco plástico para não molhar. Um cadeado lhe garantia a segurança.

- Rapaz, quem diria que o crente tem segredo! Exclamou Damasceno com ar ofegante. A barriga do policial não permitia mais tanto esforço.

- Pois, num é colega! Vamos abrir! A chave universal provocou um clique no cadeado que saltou longe das mãos de Da Silva. Dentro do baú havia papéis velhos, quase todos amarelados, fotos antigas, seringas hospitalares, um capuz preto com uma figura em relevo, a figura parecia um garfo torto, e uma caixa de agulhas de costura e outra de alfinetes. Os dois levaram o conteúdo do baú para dentro da casa para periciá-los.

Os papéis eram cartas endereçadas a uma pessoa que morava em Aracaju. A residência ficava no bairro Bugio. O conteúdo das mesmas era relatos de problemas e pedidos de ajuda. Uma das cartas dizia: “Meu marido bate em mim todas as vezes que bebe; mostra a rapariga para todo mundo no bairro; e agora deu para pegar dinheiro. Por favor, faça alguma coisa. Esse é o número de meu telefone”. Em outra carta a mesma diz: “O safado bateu as botas terça à noite; quase que os olhos caíam no chão; o cheque estará na sua conta amanhã”. Cartas como essas e outras enchiam o fundo escuro do baú centenário. “Mas para que serviam aquelas seringas?” “E as agulhas?” “O capuz?”Fotos foram tiradas e feito um relatório para a promotoria. Alex, o jovem novo promotor de Tobias após lê-lo chama os dois detetives.

- Quer dizer que vocês dois me envolvem em um arrombamento de propriedade e o que temos é isso?

- O exame cadavérico atesta que as mulheres sofreram perfurações na epiderme. Elas eram tão pequenas que não foram levadas a sério.

- Mas, isso nos liga a Francisco?

- Sim e não! Precisamos de um mandato para levar o conteúdo da caixa para a polícia científica.

- Mas como eu vou expedir mandato para Francisco se o homem é de bem na sociedade, nada temos contra ele?

- Então vamos roubar a caixa!

- Alex pensou por um instante. Sua carreira estava em perigo e o nome de seu pai Desembargador Vieira também. Mas, o rapaz era corajoso.

- Sigam em frente!

Os policiais entraram novamente na propriedade à noite. O céu estava cheio de estrelas, a lua era pequena, somente uma banda no céu. Os dois tiveram que arrastar o baú por dentro do mato por mais de 5 minutos para não chamar a atenção da vizinhança. De repente, da Silva escuta o gemido de uma criança que saía de uma moita de samba caitá. A moita era fechada, e a luz da lua não era o bastante para iluminar.

- Damasceno! Damasceno! Você ouviu?

- Sim, ouvi. O investigador segurava a arma com a mão direita. Sua pistola nunca foi usada. Damasceno era um investigador, por isso nunca trocou tiro com ninguém.

- E agora?

- Seja o que Deus quiser! Os dois avançaram de arma em punho rumo à moita. Com a mão esquerda ambos afastaram as galhas da planta milagrosa do sertão. No chão entre os galhos e folhas estava um gato preto que gemia como criança. Os policiais viram que o gato estava ferido. O pegaram e o examinara. Em seu corpo encontraram 21 agulhas de costura. Seu ventre fora aberto, pois, estava raspado e costurado. O gato dá o último suspiro nas mãos de Damasceno.

- Vamos abrir o gato, vamos!

- Sim vamos! Damasceno pegou a lanterna no fundo do carro e uma faca de caça e abriram o felino negro. Em seu ventre estava um pedaço pequeno de papel de caderno comum, nele estavam escritos três nomes: Alex, Da Silva e Damasceno. O susto foi grande.

“O filho da peste sabe e faz bem feito. Maldito! Que o inferno te leve, safado!”

As vozes mal pararam de soar no ouvido esquerdo de Francisco quando o radio dá uma notícia urgente. Um Fiat branco uno virou e capotou na curva do “S” na estrada vindo de Itapicuru. Não havia sobrevivente. Os corpos foram encontrados carbonizados. Francisco reuniu a igreja por meio de seu filho para orar por Tobias Barreto. O diabo estava solto na Vila de Campos. Na mesma semana o promotor Alex foi comer comida japonesa. Um pedaço do peixe cru agarrou na goela do magistrado provocando asfixia mecânica. Seu corpo foi sepultado em Aracaju. O baú ninguém mais ouviu falar dele. As mortes foram esquecidas por um tempo.

- Coisinha! Coisinha! O portão da casa estava aberto. Era um portão de ferro enferrujado. Coisa do temo passado. Todo aquele Candial havia sido fazenda de gente grande. Francisco entra no terreiro da casa de dona Coisinha do Candial. A casinha que ficava na entrada estava no mesmo lugar. Mas, tinha tempo que não era alimentada. As plantas sagradas e ervas formavam o jardim e farmácia de dona Coisinha. Contudo, ninguém respondia a voz do homem de Deus. Francisco se calou e entrou na casa. Não havia sinal de luta. Nada estava quebrado ou arrombado. O corpo de Coisinha estava na cama. Seus olhos estourados. E uma mancha enorme de sangramento interno na altura do pescoço. Ao seu lado na cabeceira de sua cama um bilhete escrito em um português quase ilegível. “Ajudei enquanto pude. Agora te cuida!” Nem a polícia; nem ninguém, sabia de alguma coisa sobre a morte de Coisinha. O povo dizia que foi morte bem morrida. “Morte bem morrida o povo num sabe a causa não”. “Cada povo tem sua ciência”.

Os setenta anos de Francisco não demoraram a chegar. Sua família o abençoou com uma grande festa cheia de amigos e parentes. O culto de ações de graças foi filmado;. Francisco disse no dia: “Vivi para ser filmado”. Reginaldo aproveitou a frase e disse: “Lembra Francisco que eu disse que você era escolhido?” O tempo passou. Ele sempre passa quer queiramos ou não. Nele estão as forças da natureza.

Francisco continuou a ouvir vozes. Elas ficavam mais nítidas com o passar do tempo. Agora ele conversava com elas. As vozes faziam parte de sua vida social.

- Francisco! Vou te mostrar que você vai morrer a mesma morte da gente.

- Mulher, eu estou arrependido! Tenha piedade!

- Num sei por que ele ainda não caiu! Mal dorme, mal descansa, mal come!

Acharam Francisco morto na preguiçosa da área da frente onde ele gostava de ficar. Francisco estava com a boca aberta. As mãos e os lábios estavam melados de sal. Os oitenta e sete anos trouxeram fardos pesados ao protestante do Padre Pedro. A igreja chorou sua morte. A cidade falou um tempo. As mortes das mulheres nunca foram esclarecidas. O caso estava encerrado.

“Mulher! Num te disse que hoje ele embarcava? Filho da peste aguentou foi muito!”

“Agora você pode se acertar com ele, num é Donana?”

“Sim! É!”

A MALA

- Estamos quase chegando a Aracaju meu bem calce os sapatos!

- Tá bom! Você sabe mesmo do endereço da casa de Firmina?

- Sei meu bem. Rua Bahia 79.

- Então está tudo bem. Num quero é ficar rodando a cidade à toa.

- Não se preocupe chegaremos à casa de tia Firmina em paz.

O ônibus estava lotado. Era o último que vinha de Tobias com destino a Aracaju. O casal tobiense estava visitando um parente doente na capital sergipana. Os dias e noites estavam muito quentes em Aracaju. Não ventava e as pessoas reclamavam do calor.

- Meu amor Aracaju é quente, né?

- Num é o que!

- É quente mesmo! Olha a rodoviária!

Sidinei levantou a cabeça da cadeira e ajeitou os óculos de lentes grossas.

- É grande, né?

Sair do Jacaré direto para a Aracaju foi a experiência do casal que veio socorrer a tia que estava para se operar de câncer. Eles não sabiam muito sobre Dona Firmina. O que estava acertado era Tereza dar o amparo à mulher após a operação. O resguardo não seria longo, esperavam eles, pois, hoje em dia, é tudo ligeiro.

- Meu bem quando tia vê a gente ela vai recobrar coragem.

- É, mas deixamos os bichos tudo na mão dos outros. E sei lá num que vai dar essa história.

O casal desceu do ônibus e foi direto para o ponto de taxi. Um taxista de meia idade se aproximou dos dois e disse: “Vão querer um taxi?” “Vocês vão para onde?” Eles disseram que iam para Rua Bahia. O motorista partiu para a Avenida Oswaldo.

- Demora muito moço?

- Não. Indo por aqui é rápido. Artíles era um motorista competente e honesto, pelo menos, a maioria das pessoas comentava isso. Ele foi o homem que encontrou uma bolsa cheia de euros no banco do passageiro de seu carro e devolveu. Artíles era um brasileiro honesto até que se prove o contrário.

- Meu amor num queres comprar nada não?

- Moço quando passares por uma padaria pare que eu quero comprar pão.

- Tudo certo amigo.

O taxi parou e Sidinei desceu para comprar pão e outras coisas. Não demorou muito. O motorista do taxi se vira para o casal e pergunta: “Onde é mesmo?” “Na Rua Bahia”, Respondeu os dois em coro.

- Sidinei, ela disse que se ela não tivesse em casa, a chave estaria no vaso de comigo ninguém pode perto do portão.

- Psiu! Sua idiota! Como é que você diz uma coisa dessas?

- Desculpe Sidinei, é o costume! Terezinha, ou Nininha como muitos a chamavam falou baixinho. O taxi entrou na Rua Bahia pela Rua Alagoas. Dobrou a direita e subiu a rua. O casal estava ansioso para conhecer a casa da parenta. A Rua Bahia, muito conhecida em Aracaju, estava escura. Não havia ninguém nas calçadas. Esse costume está morrendo no Siqueira. Antigamente, o hábito era por as cadeiras na porta, conversar e tomar uma fresca.

- Qual é o número mesmo? Perguntou Artíles.

- É 79. Depois de subir e dá ré a procura da casa, Artíles para o carro e diz:

- Num tem nenhum 79 não. Tem certeza que é 79?

- Tenho sim. Terezinha passa um papel de caderno com o endereço e o número da casa. Artíles o lê, desce do carro e sai a procura a pé. Finalmente, ele encontra a casa. Estava tudo fechado. Sidinei pega a chave no caqueiro e abre o portão depois a porta. Ali mesmo, eles pagam o taxista e se despedem. O interior da casa era sereno. Após acenderem a luz o casal sentiu que estava em casa. Ligaram a televisão. Estava passando o jornal.

- Meu bem!

- Sim!

- Tá com fome?

- É claro né Tereza!

- Não precisa ser ignorante.

O casal passou a noite. A manhã veio animada. Os dois foram à feirinha do Siqueira fazer umas comprinhas. Voltaram antes das doze horas comeram e foram ver televisão.

- Tereza, num tá estranho não?

- Tá. Onde está minha tia?

- Num é? E a gente nem sabe para quem ligar. Firmina era uma mulher só. Depois que deixou o Jacaré amadureceu na selva de pedra. Sua parenta que restou foi Tereza. O casal não sabia que Firmina era rica. E nem imaginava como ela ficou assim.

- Meu amor corra aqui!

- Que foi mulher? Estou vendo televisão!

- Venha aqui rapaz! Sidinei foi. Tereza estava sentada na cama no quarto de empregada. Ao lado dela estava uma maleta de couro marrom legítimo. A mala tinha detalhes em ouro. Dentro dela ouro, dólares, e francos. Joias e diamantes completavam o pequeno tesouro. Tereza a encontrou em uma caixa debaixo da cama. Tereza e Sidinei eram agricultores no Povoado Jacaré em Tobias Barreto. Foi a primeira vez que eles viram aquilo – o dinheiro estrangeiro e as joias e pedras brilhantes.

- Rapaz Firmina é cheia da grana!

- Como foi que ela ficou rica?

- Sei não.

O casal ficou na casa a espera da tia quinze longos dias. Todos os dias, Sidinei pegava naquelas pedras. Depois as guardava no mesmo lugar.

- Tereza, já pensou se a gente levasse a mala? Ela não ia saber. Ninguém viu a gente aqui!

- A vizinhança viu besta! Mesmo assim nós somos gente honesta.

- Estou só brincando com você!

O casal se cansou de esperar. Firmina não apareceu nem mandou recado. Era muito estranho, a tia desaparecer. Os dois decidiram retornar para Tobias e aguardar um sinal da tia. Uma carta, um telefonema. Sidinei e Tereza voltam para o Jacaré.

- Tereza, a gente com aquele dinheiro. Já pensou?

- Rapaz você tá pecando!

Um mês passou muito rápido. E nada de Firmina dá sinal de vida. Ninguém sabia de seu paradeiro. Tereza apenas sabia que sua tia ia se operar por causa de um câncer. Aquilo era muito estranho. O casal decidiu voltar a Aracaju.

- Meu bem, vamos mexer nos papéis dela para ver se a gente acha algum endereço, alguma coisa para a gente começar a procurar?

- Sim. Deus vai nos ajudar! Mas, que está estranho está. O casal do Jacaré encontrou a chave no mesmo lugar. A casa estava no mesmo lugar. Ou seja, Parecia que ninguém havia entrado ali. Uma pegada, um cigarro acesso, nada. Definitivamente, Firmina não havia estado ali. Ninguém havia estado ali. Sidinei vai ao quarto de empregados em busca da mala de couro. O rapaz deu um grito de susto quando meteu a mão debaixo da cama e nada encontrou. Sim, a mala sumiu.

- Tereza. A mala sumiu! Bem que eu disse para levarmos conosco! E agora vão pensar que foi a gente!

- Vamos embora logo!

- Mas agora não tem ônibus.

- Então vamos amanhã de manhã.

O casal se preparava para se deitar. Tereza usou o banheiro e foi por o lixeiro no quintal. Acendeu a luz; caminhou uns dois metros na direção do muro dos fundos. Havia cimento até a metade da área do quintal. O resto eram plantas e grama. O vaso de metal para o lixo estava no pé do muro. Ao seu lado sobre um monte de areia, um gato cavou o chão. Tereza viu o gato e foi até ele. O gato percebeu e fugiu deixando um dedo humano sobre areia. Tereza deu um grito abafado. Sidinei foi ao encontro.

A visão do cadáver de Firmina chocou a ambos. Primeiro o dinheiro, depois um corpo enterrado. Roubo e homicídio. Eles, agora, estavam em maus lençóis. Enquanto os dois decidem sobre o que fazer, se chama a polícia ou não, o telefone toca: “Alô, sim!” “Aqui e do serviço de taxi. Vocês pediram um taxi?” “Não!” “Então foi um engano”. A voz do homem, segundo Tereza, era conhecida, mas, ela não recordava de quem. O casal foi para Tobias no outro dia.

Uma semana depois, o jornal anuncia que acharam um cadáver no Siqueira. A polícia investigou o caso. Três meses depois, o casal foi preso por roubo e homicídio. Artíles comprou uma frota de taxi. O homem ficou rico. Parece que Deus o recompensara por todo o serviço prestado naquele automóvel. O casal foi condenado por assassinato premeditado seguido de roubo e ocultação de cadáver. A sentença para ambos foi 17 anos de reclusão em regime fechado, no entanto, isso não aconteceu, pois eles passaram para o regime semiaberto em pouco tempo, depois eles ficaram livres. Foram apenas seis anos e meio de cadeia. Eles eram réus primários. Com saída da cadeia, o casal vendeu tudo e foi para a Bahia. Ninguém sabe onde eles moram atualmente, assim como eles não sabem quem pegou a mala e matou Firmina. A chave da casa de Firmina continua no caqueiro. De vez em quando as pessoas veem um taxi parado na porta...

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

DESCULPE-ME, MAS, NÃO DEU DESTA VEZ!



Conheci um homem que se orgulhava de seus amigos.
Dizia o mesmo, alegremente, de sua vida amigueira;
De suas amizades verdadeiras – “a amizade é tudo”
O homem não entendia que na terra nada é definitivo. Dizem que tudo vira pó.
Está no pó a prova do que dizemos ou ouvimos, ou vemos.
O pó é a coisa mais sincera entre os homens.
Nossos amigos em nada diferem do pó. Cada um deles é poeira que vira poeira.
Meus amigos se escondem quando é preciso.
E eu faço a mesma coisa quando eu necessito.
Se tu és um amigo ali é porque eu sou um amigo aqui.
Cada um em seu lugar e a amizade no meio.
O melhor amigo; aquele que parece um irmão, aquele que diz o que não quero escutar é joia rara; é peça de museu, é um ente histórico; é um carro velho na contramão.
Ontem, vi o melhor amigo no centro da cidade.
Ele fazia compras; paquerava as moças; lutava por seus direitos; mas, quando em pé, defronte a prefeitura, o rapaz se calou.
O melhor amigo foi trabalhar no município; aprendeu a lição da repartição.
Ele fez amizade com todos. Dizem que nem o gato escapou.
- Estamos à disposição.
- Ele é tão bom!
- Ela é tão boa!
Nós somos um manancial de bondade;
Nós somos a falta de verdade;
Nós somos a afirmação de toda contradição. O meu espelho reflete uma multidão de faces e eu não conheço nenhuma; eu nego todas elas.
Existe uma face minha que ninguém resiste.
Existe uma face tua que também é minha que ninguém contesta.
Não temos nada escrito na testa!
Não se sabe nada do coração!
“As aparências, ó aparências!”
Nisto eu encontrei muita ciência.
O melhor amigo passou por aqui.
Deixou um bilhete; era um pedido de desculpas:
“Desculpe-me, mas, não deu desta vez!”





CADAVERES

CADAVERES

Hoje encontrei você. O horizonte estava perdido entre teus olhos. A saudade, essa cobra danada, ardia no meu peito pela moça que outrora era senhora deste coração.
Nem percebi se havia luzes na casa, e em silêncio fui ao teu encontro nas cinzas do passado.
Pois, hoje, no agora, no calor da hora; estava a menina deitada sobre seus excrementos; sua pele era pus e seu fígado era tormento.
Seus olhos eram duas azeitonas banhadas por lagrimas de conserva.
Para minha surpresa, quando eu vinha na estrada, vi o rosto de um mancebo que chorou por ti. O rapaz parecia um fugitivo apressado a descer a serra.
Ah, que triste lida de dois corações que fizeram confissões!
Ah, que saudades de tua boca mesmo tendo sido beijada por um estranho!
Ela era uma moça jovem de corpo bem talhado e fala suave; a menina que me roubou o fôlego e me levou os sonhos jazia morta naquela sala escura.
Pus-me a refletir sobre o tempo de carinho, as horas de afago, os dias e noites de felicidades, e, a peleja da falência de uma doença sem cura.
- Você não é mais o mesmo!
- Como meu amor?
- Isso que ouviste! Por favor, não comece com esse tom de pureza!
É difícil entender o coração das pessoas. É difícil antever o destino das mesmas.
Ela sumiu como sombra na noite logo depois do açoite que me deu.
Ela não deixou rastro, nem fragmentos de nada seu. Seu rumo foi sinistro; a moça, simplesmente, se foi, se escafedeu. Mas não de mim; quem sabe de si. Parece que minha pessoa para ela era como uma vela sem o mastro.
Seu cadáver inerte e fétido estava ali, bem diante destes olhos atormentados por tudo que não pode ver, ou, pelo que viu, malgrado o persistente engano da miopia.
- É só um cadáver! Todo cadáver tem uma história; tem uma prosa, e um vazio de palavras, e a ausência do ser. Todo cadáver nos lembra que somos iguais; veja, eu não sou melhor que você. Todo cadáver é quieto, manso, sossegado que nem os retratos da parede. Todo cadáver deve ser bem tratado, pois, é a última pose no mundo, entendeu? Eu entendi!
Ela estava lá e eu também. Nós estávamos lá tão juntos como sempre apesar das diferenças ou crenças.
Passamos a vida inteira em litígio, mas, naquela hora, naquela sala a demanda se cala.
O cadáver da moça necrosou, o meu também.
Os vermes nos devoraram até os ossos.
A poeira foi soprada pelo vento da rua que entrava pelas venezianas das janelas e frechas das portas.
Mas, se eu tivesse sido melhor!
Mas, se eu não tivesse dito tanta asneira!
Mas, se eu não tivesse namorado fora, e não tivesse feito tanta besteira!
Mas, se ela tivesse me perdoado!
Mas, se ela não tivesse ido embora!
Mas, e, mas; e, é, sempre, mas.
E o tempo passou...





domingo, 15 de outubro de 2017

SENTIDO

Na espera por ele;
Ela perdeu-se num pesadelo repentino.
Os anjos não cantaram como de costume;
O fim da missa não teve amém.

A crença forte tornou-se vaga;
Os homens acordaram de um sonho:
Júpiter pediu ajuda a Alá.

As idéias são muitas.
Os crentes se multiplicam nas ruas.
Do telhado das casas se ouve o mesmo barulho: Cristo passa.

Meninos e meninas juntam-se para dançar com o Mestre.

Onde estavas ontem?
Para onde fostes no verão?
Por que não fostes à África?
Por que foges da miséria?

O sol amanhã nascerá e com ele levantam-se as questões.
O sentido está no peito do viajante, escondido em suas fibras.
São os olhos que enganam; a miopia é secular.
Não espere boas novas, pois a calçada é testemunha da rua.
Não se tem em quem fiar;
Nossa pele está nua;
Nossa razão ainda crua, não dá para digerir.

Ele estava no campo.
Chovia muito.
O raio abateu-lhe as esperanças;
Um corpo na grana, um crente na eternidade.
Uma mulher a chorar.

Que vaidade!
Desperta consciência de teu delírio.
Acorda amiga minha até que beijes o bom senso.
Parece que o sentido está nas fezes.
Excrementos de meu dia a dia.
Minha eterna lembrança pastosa da infância...

A TORNEIRA

No teu olhar, o olhar do outro, a presença minha se oculta em tuas conjecturas.
Silencia o coração do solitário fabricante de ilusões.
Pergunto, e o caos atende-me quando clamo.
As sombras são pessoas que passam por aí.
E, o doce da manhã, amarga ao meio dia, no meio fio de uma calçada quente.
Cuspiram lá.
Deixaram a poeira de suas preocupações.
Estamos perdidos na razão Pós-Moderna.
Invertemos as coisas?
Criamos outro homem?
Não!
As baratas habitarão o mundo e o encherão de baratinhas.
Os escorpiões farão suas casas em nossas camas.
Se não acordarmos do anátema de sermos humanos exageradamente.
Tente!
Juntamos pedras e delas fizemos naves espaciais.
Somos senhores das máquinas.
Mestres sobre a vastidão do planeta.
Empolgados pelos nossos delírios megalomaníacos, nos esquecemos de fechar a torneira.
A água se foi, e morremos de sede...

sábado, 14 de outubro de 2017

EDITORIAL DO BLOG OUTUBRO

Permitam-me um dedo de prosa....
Quando falamos em intervenção militar a sociedade logo reage como se uma intervenção desta natureza abrisse precedentes a instalação de uma nova ditadura das espadas brasileiras. Intervenção é um recurso institucional e constitucional quando o país entra em condições de ingovernabilidade e caos social e moral. Não podemos continuar assistindo televisão de braços cruzados enquanto o senhor presidente da República comprovadamente envolvido em coisas ilícitas compra sua liberdade com o dinheiro do povo na forma imunda de emendas legítimas. A suprema corte fez seu papel, mas, os recursos daqueles que legislam em causa própria os torna acima da lei e isso fere o princípio constitucional da igualdade. Assim, sem medo ou hipocrisia, minha humilde pessoa acredita ainda que uma intervenção militar constitucional sob auditória internacional é o caminho para apurar, julgar e prender os corruptos não importando seus partidos de origem.

SOCIAL

Às vezes, sinto falta do meu rosto cravado no espelho da consciência;
Às vezes, sinto náuseas quando ouço o sopro das palavras;
Às vezes, prefiro a hipocrisia de dizer que sou hipócrita; isso me faz bem, sim, muito bem.
Há momentos que me basto; não preciso de ninguém. Qualquer ser humano seria expulso de minha sala.
Sala por vezes escura;
Sala por vezes úmida;
Sala por vezes calada;
Sala por vezes feliz.
Sala fétida, nojenta, ciumenta, assassina, cândida, cheirosa, dengosa, santa - profana sala d’alma!
Eu sou o centro da sala onde todos falam e se calam; onde o meu viver é o refino de minhas tripas.
- Ah, que saudade de minhas amigas, minhas raparigas!
- Dane-se o mundo inteiro!
- Eu sou eu!
Ando nas ruas com meus pés; não preciso do teu.
Ando nas ruas com meus olhos; a luz do dia não te imploro.
Ás vezes alegro me com o teu sorriso.
Às vezes recordo-me das canções da infância.
Às vezes aperto tua mão e sinto paz n’alma.
Isso me acalma;
Isso me faz bem.
É como os sinos de Belém, à meia noite, tocados na Igreja dos Jesuítas perto da Francisco Holanda.
Vejo um rio que corre para todos; vejo almas que se unem-cada uma trás uma flor na mão; todos tem uma esperança; todos tem uma criança.
Às vezes sinto falta do meu rosto infante cravado no espelho das horas...

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

O HOJE E O ABISMO SEM FUNDO


Hoje, caminho trôpego; os passos me são difíceis embora necessários.
O sol ainda quente do dia me dizia da noite que se aproximava, e minha alma, às vezes, calma esperava a estrela que me mostrasse o norte.
Essa é a nossa sorte - a crença de que não sabemos pra onde vamos, e a tristeza, mesmo, diante da beleza de sermos humanos, tão humanos quanto a pedra ou a água que corre fria sobre ela.
Tem coisas que não posso, e tu também.
Tem vento que gela meus ossos, o teu também.
Tem dia que a manhã é escura, e o sol não tem ternura pra te dar. É apenas um dia, seja de noite ou de dia; são apenas minutos, horas ou um relógio apressado cheio de covardia.

O meu passo perdeu o seu ritmo. Não há simetria, nem maestria na estrada escorregadiça cheia de certezas como flores sobre mesa. O teu calo é teu e o meu só meu, contudo, a dor é nossa; ela é a herança de nossos pais. É a verdade que coagula como o sangue em sua poça.

Ah, verdades mil!
Ah, conselhos que nos chegam e não cessam!
Ah, que mundo sabido cheio de seres combalidos, simplesmente, pela dor de ser!

Hoje, o que sei é que o ser espera ser a cada dia um pouco mais de um pouco de si mesmo. Um pouco aqui, um pouco ali, ajeita isso ou aquilo; espera mais, ou mínimo de alguma outra coisa que nem sabemos onde estar e o que é. É assim que somos, e nossos sonhos vão a marte, mas, também, nos trazem à morte.
No entanto, dizes tu que és forte. Tua carreira parece a primeira da terra, e desta forma, pensas tu que és mais que os homens, sim, aqueles que como tu são pó na cova; essa deve ser a tua prova, somente tua, pois cada um se recolhe como pode.

Ontem, eu sabia de tudo sobre meu mundo. Conhecia minha rua, minha velha vizinha que me espreitava à porta nas horas da ida e da chegada, e à mesa após a ação de graça a velha cuspia a baba repugnante de seu cachimbo. Ontem, eu era jovem, ou criança; a pressa era minha amiga e a paciência um caduca rabugenta. Ainda no meu mundo só há a viagem, ou uma mistura de paisagens sem a lembrança da parada final na rodoviária.

Oh, que tédio morrer assim!
Oh, que morte ruim! É verdade que o óbito é um sapo costurado na boca com tua foto dentro.
Não adiante, a fatalidade não tem idade quanto mais a segurança da necrose quando o sangue não circula.
Mesmo assim, eu sou um tolo! Continuo acreditando que amanhã eu suarei ao sol do sertão de Campos. Que todos os meus sonhos vão estar lá, sim, lá, bem perto de mim. Isso deve ser e continuar sendo, pois, mesmo morrendo eu quero viver.

Hoje, eu quero viver o hoje, o agora, sem focar o ir embora; viver como dizia o poeta Drummond “sem sofisticações, simplesmente, viver”. Mas, isso não me é, plenamente, possível! A fome de meu estômago nunca cessa, nem a vontade dizer se aquieta, nem O movimento das calçadas perde a pressa. O ser é um complexo de vozes que o atormenta, o ser é um abismo sem fundo, só queda...

domingo, 17 de setembro de 2017

HOMOFOBIA

Capim seco e molhado.
Palha espalhada na mata sinistra.
Ermo maldito, cenário de bandidos.
Mato pisado por homens; Entes sem mentes, sem Deus.
Fios de cabelos em um lenço cor de rosa.
Um corpo trêmulo diz sua última prosa .
– Ele era tão bom. Pena que era gay!


Uma ponta de cigarro fumada com mão trêmula.
Último segundo de uma vida inteira.
Uma tragada derradeira de misericórdia.
Final de um mal, um mal aceitável.
– Era só um cigarro!


– Ele nada fazia contra ninguém!
– Ele vivia a vida a seu modo!
Um estalo acorda as corujas.
Risadas de vingança e ignorância escandalizam os morcegos.
– Menos um no mundo! Tudo vai melhorar!
Um carro sai na escuridão iluminada por lanternas elétricas.
Alguém ficou lá.
– Onde?
– Lá!
Aquele lugar de loucura e falta de paz.
De cegueira e preconceitos.
De gente caolha, sem orelhas, sem espelhos em casa.
Aquele lugar que muitos passam e ficam.
De algum modo ficam.
Esquecidos num passado recente.
Adormecidos por compulsão.
Pela força de uma explosão de pólvora.
Ou pelo frio metal afiado, ou um caco de vidro quebrado.
Um jeito fácil de ser racional; pensam alguns.
Uma peça de necrotério.
Um fantasma ambulante.
Um retrato do mundo.
Mais um assassinato.
Menos um irmão diferente.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Milagre

“No Brasil, a maioria da classe política acredita que a formula mágica para enfrentar a crise é retirar os investimentos, aumentar os impostos, e legislar segundo os patrões sem ouvir o trabalhador. Eis o milagre da direita brasileira! Os 14 milhões de desempregados aguardam outros tantos filhos deste milagre”.

sábado, 29 de julho de 2017

AMANHECEU EM CAMPOS

Amanheceu em Campos, o sol é um menino que se arrasta no tapete de estrelas da abóboda celeste; lentamente, o azul engole o manto negro da noite.
As pessoas dizem sobre tudo nas primeiras horas da luz.
As pessoas enterram a noite passada com palavras amigas, ou inimigas, ou palavras que são palavras, mas, que seus efeitos são aqueles perdidos em algum lugar de ontem.
Pedro Antônio disse da morte que varre a cidade;
A cidade anda entra a luz e o negro noturno;
a cidade não tem idade, seu povo esqueceu as estórias dos mais velhos.
Enterraram seus conselhos em covas de sintagmas;
disseram aos seus fantasmas para se calarem.
Maria Francisca disse muito. Disse de suas amigas; falou seus delírios com muito bom senso.
No romper do dia, o sol se torna polifonia, todos os homens nos enunciados ditos plasmam um pouco do futuro com o barro das mãos e a polissemia dos vocábulos.
No romper do dia, a coruja se enruga na toca, os passarinhos cantam uma melodia. Há som no mundo dos homens.
Em Campos, na aurora nordestina, começa uma nova sina;
Seus capítulos se escondem nas encruzilhadas cheias de meninas.
Seu texto é um solitário trabalhador que conta os minutos da nova intriga ou do gozo de encontrar uma colega na esquina.
Nas calçadas varridas entre as narrações das coisas ocorridas, o povo recebe o astro sublime com muita conversa e parágrafos mal escritos sobre a tardinha da passada labuta.
A claridade solar queima a pele, contudo, dá vida ao mundo, o sol ensina o sertão as regras da mãe natureza.
Aqui, não se perde tempo, todo segundo é ouro, todo ouro trará o seu pecado e o prazer da boa conduta.
No meio da manhã, a menina do sertão sergipano passeia nas avenidas, ruas e becos, nas esquinas, e quarteirões; Campos celebra a boa sorte, ou chora sua morte; no sertão, como em toda parte, o homem é conflito; é angustia e prazer, é vitória ou derrota ou os dois como dizia seu Raimundo, aquele que fumou três maços de cigarro todos dias durante cinquenta anos e morreu de infarto.
Em Campos, o sol e a noite andam juntos.
A coruja está de volta às segundas; não há semana sem ela.
Na feira mais feliz de Sergipe tem queijo, presunto e mussarela, tem pão, manteiga de Itabaianinha, e café quente logo cedo.
Perto do meio-dia, a cidade estremece com a pisada de seus filhos, uns tombam pela força de suas ideias, outros sonham com princesas e cinderelas; em Campos, a fantasia está na fazenda, a fazenda trás o gado e ele o latifúndio.
Nas lojas o povo moe o grão de trigo.
No sertão de Campos, o pão é frio como uma manhã sem agasalho, ou como um início de noite no mês de agôsto.
Finalmente, amanheceu em Campos, as avezinhas da aurora foram embora.
As buzinas de motos ou carros de diversos tipos fazem o fundo musical da nova história.
Campos tem lei nas ruas,
Campos tem sorrisos,
tem faces felizes,
tem olhares tristes,
tem gemidos de despedidas, tem palmas de honra ao mérito, e tem o picareta que te vendeu uma moto roubada.
Amanheceu em Campos,
Amanheceu no mundo,
Os homens foram embora,
A mulheres se dividem entre o tanque de roupas sujas ou a caneta da faculdade, ou o telefone do escritório, ou balcão da loja.
Havia uma senhora que viveu na máquina de costura. As pessoas a reconhecia pelos dedos em formas de agulhas.
Essa mulher fundou Campos, deu o leite de seus filhos e os ensinou sua doutrina.
Viver em Campos sem costura é pesadelo matutino.
É viver sem carinho, é semear na pedra.
Amanheceu em Campos, amanheceu em Tobias Barreto.

quarta-feira, 26 de julho de 2017

MEU AMIGO

MEU AMIGO
Meu amigo, falam de ti. Tem dias que ouço verdadeiras barbaridades sobre ti. Outras ocasiões dizem tudo de bom de você. Fico sem saber o que dizer. Tem noites que minha alma não consegue o sono e rola na cama quando teu nome chama antes do sol nascer. Não sei, mas, no que penso não posso crer, pois, minha crença se revela líquida como a água; minhas ideias são como águas descendo uma ladeira de pedra.
A pedra que me fez; a dura pedra que fere a carne.
A pedra que dura até se tornar poeira.
Esta é, na verdade, toda a essência desta excelência que sou eu.
Sou pedra e sou água. Sou vida e morte. Sou alguma coisa de uma mesma coisa que eu não sei o que é.
Por isso eu digo, ou, penso que digo. Faço da semântica uma amiga. Brinco com as palavras como se fossem peças de um jogo. Um jogo complexo, tão complexo quanto o traçado do mundo.
“Eu sou eu”. Disse seu Raimundo quando discutia política com Anacleto leiteiro. Cada um disse o que achava ser vero. Cada um falou o que pensou ser verdadeiro.
Eu também sou eu; sou uma criatura que busca transcender o mero dever. Dizem que preciso ser. Sou eu o que precisa ser.
Lamento, mas, esta lógica de ser não tem sentido. Pois tudo que se torna ser vira plástico, ou papel higiênico. O ser é tão artificial quanto o papel, ou o jornal que jogam no teu jardim.
Sou uma caricatura dos homens, uma silhueta da sombra que passa apressada. Somos, eu e você a mesma essência de uma consciência mestiça, híbrida, diversa, que escorre no espaço como vinho derramado.
Meu amigo, falam de ti e nunca terminam o que dizem. Existem sempre reticências no final das sentenças; nunca acabam a prosa que se estende noite a dentro. Quando na manhã seguinte nascem rosas, então teimosas, tuas mulheres dançam as núpcias. Todo ano, por toda a vida, as meninas correm a corrida até o altar da matriz.
Meu amigo, sei que as palavras não cessarão; enquanto houver dúvidas haverá um clarão. E em todas as casas, e em todos os quartos verei teu retrato. Tua cara, teu choro ou teu sorriso tua verdade, ou teu cinismo.
Meu amigo falam de ti; eu mesmo declino o verbo em agonia de consciência. Mas tenha paciência tu fazes o mesmo comigo. Somos amigos inesperados, inimigos inveterados, amantes apaixonados; e uma pedra dentro de uma poça d’água.
Assim, não tem assim, esta é uma história sem fim. Seu começo, dizem que tem hora, mas, seu fim, embora, esperado nunca manda recado. Na verdade, o fim de um homem nunca chega; seus irmãos o carrega até a próxima geração. É como mais um inverno e outro verão.
Meu amigo, falam de ti.

AQUELA CASA


Da casa onde morei não tenho retrato.
Não me recordo da cor da pintura de sua estrutura.
Nem me lembro de seus metros quadrados ou de quantos tijolos usados.
Mas do mamoeiro, ou da goiabeira não preciso que ninguém me diga.
Pois, destas coisas minha mente não se fadiga.
Eu era um menino a experimentar o corpo e a mente no espaço e no tempo da casa da Rua Francisco Holanda. Eu era uma criança que crescia nos areais da Aldeota. Eu era o começo de mim mesmo a traçar um destino, um rumo, um tino que me fizesse crer que as coisas são as mesmas coisas em que meus pais acreditaram.
Da casa da Francisco Holanda ainda ouço as risadas na calçada; a alegria da meninada, e o meu soluço no quarto dos fundos quando a noite cai no quarto de meus pais. Ali, eu encontrei os mais velhos, mais sábios, menos sonhadores cujos corações entre risos e dores buscavam a razão no mar de questões; um cheque mate sem rei, somente peões.
Foi na Francisco Holanda que vi o céu azul e senti o chão frio na área do quintal de minha casa. Eu era um pássaro a voar sem pouso definido. Sem plano estabelecido; sem medo do infinito.
Eu abria os braços e o oceano azul celeste era o espaço onde meu corpo e mente vestiam suas novas vestes.
Deitado com os olhos para o alto voltados, escutava eu a voz de meus amados. Os dois, cada um no seu lado; uma certeza intranquila; um rio sem correnteza.
Na área da frente onde se recebe os visitantes estava o ser infantil a indagar do mundo. Uma pedra gelada na cadeira sentada discorria sobre o nada com voz de parente. Seus olhos congelados e sua mente descontente não saiam do transe desalmado – “Sai daqui menino!”
Em seguida sua imagem se desmanchava em frente à televisão.
Aquele ser materno; meu colo, meu amor eterno ainda não via que a vida tem seu dia; ou que os homens mudam como o camaleão.
Meu pai chegava às seis trazendo religiosamente o sagrado pão.
Seus pés entravam em casa vacilantes; suas mãos pálidas diziam de mais uma batalha vencida, contudo, as dores nos pés e nas costas não escondiam de minha mãe o cheiro da moça, mas isso não é tudo. Aquele homem, o homem de minha vida não era um carrancudo!
Da casa da Francisco Holanda me lembro com prazer. Recordo me de minhas irmãs jogando voleibol; dos amigos de meus pais na mesa de pôquer, da cachorra malta a latir de alegria fosse de noite ou de dia. E muito mais, quando o dia era de paz. Aquela casa, a casa da Francisco Holanda não passou. A vejo aqui e acolá. Parece que ela mexe com a gente, e parece que o tempo é um corvo velho e experiente.
Eis que vejo tudo de novo...



sexta-feira, 30 de junho de 2017

EDITORIAL DO BLOG


Permitam-me um dedo de prosa...

Estes dia tomei a seguinte decisão: “Não vou assistir o jornal”. De fato passei uns quinze dias sem o contato com a telinha. Confesso que foi ótimo. Atualmente, nossos jornais tanto os radiofônicos quanto os Televisivos me deixam depressivo. O contato com a mídia brasileira tem me dado perturbações do sono e um profundo sentimento de incapacidade. Como diria um colega nosso de magistério: “É brochante”. Desculpe-me o termo, mas, foi o que me surgiu na cabeça agora.
Ser brasileiro não é uma coisa muito confortável. Entendo que as pessoas de todas as nações sentem um certo orgulho de sua terra, pois, temos construído, ao longo dos séculos os conceitos de cultura, povo e nação. E aí, quando o sujeito se identifica com sua nação e sua cultura ele mata e morre por ela. No nosso caso, não podemos dizer a mesma coisa. Acredito que nem todo brasileiro daria sua vida pelo Brasil.
Diria meu finado pai: “O que o Brasil fez por ti além de cobrar impostos?” Sim, seu Pimentel sabia muito bem o que é o Brasil. Meu velho morreu com 80 anos, e por todo esse tempo ralou para sobreviver e segundo ele, o Brasil só fez atrapalhar. “Meu filho te vira, o Brasil num tem nada para você!” Eu tinha uns doze anos quando ouvi este sábio conselho e hoje aos 57 já disse o mesmo para meu primogênito: “Te vira cabeça, senão tu tá lascado”.
A imagem podre do Brasil vai passando de geração em geração. Isto é inevitável. Quando lemos os livros de história e nos assustamos com o passado nem imaginamos que as mesmas coisas estão ocorrendo exatamente agora – o Brasil é o mesmo e o seu povo é o mesmo!
O Senhor excelentíssimo presidente da República disse em cadeia nacional o mesmo que D. Pedro disse há menos de dois séculos: “Diga ao povo que eu fico”. Michel fez diferente: “Olha povo, eu num saiu!” Ninguém desejou a permanência de vossa excelência exceto os que se beneficiam com a mesma.
O presidente do Brasil, acusado pela Suprema Corte, com gravação de áudio examinada pela Polícia Federal (uma das poucas instituições em que o povo ainda acredita) entende que tem autoridade moral para ficar no poder e realizar as mudanças que deseja. Eu garanto a você meu amigo: “Em lugar nenhum do mundo este homem seria presidente quanto mais o povo aceitar as decisões e ações praticadas por seu governo”. Tudo em Temer deve ser tido como duvidoso assim como foi duvidoso seu encontro com o empresário da JBS. É temerário crer, ou continuar tendo este homem teimoso como presidente sem temer a maracutaia. Temer para mim é temor, é medo, é traição da nação, aliás, a traição já foi feita com as reformas que ele encabeça.
O Brasil deve parar! A sociedade deve deixar bem claro que nós não aceitamos um acusado no poder. A imagem de nosso país no exterior está desgastada demais, e aqui dentro não podemos mais acreditar que esta republica é legítima. É preciso fechar o Congresso Nacional, prender os marginais e seus relacionados e convocarmos eleições gerais. Tenho dito!

domingo, 25 de junho de 2017

O LOUCO

O discurso do louco é subversivo.

A ordem do louco é caos.

Eu tenho um rei de paus.

Mas ele tem ases de copa.

A partida vencida.

No naipe, no signo.

Quem disse que isso é isso?

Quem disse que a volta é ida?

Jogam o jogo ao seu modo.

E as palavras fazem discursos de terno e gravata.

O louco não é ouvido.

Sua metáfora incomoda.

Sua metonímia provoca.

A ordem não suporta.

E o louco é calado.

Sua partilha é com os doutores.

Esses lhes ouvem as vozes.

As frases de crianças.

Olhares de terrores.

Uma corda cheia de tranças.

Por vezes escondem esperanças.

Conheci um velho.

Sua casa estava no morro.

Falava pouco.

Dizia quase nada.

O velho acreditou nas palavras.

O velho sabia o que dizia.

O velho esqueceu-se de seus dias.

O velho foi embora.

sexta-feira, 23 de junho de 2017

BARATAS

O natal se aproximava. As pessoas estavam enternecidas com o espírito cristão que envolvia a sociedade aracajuana. As campanhas do natal sem fome, e do natal com roupa foram um sucesso. “É muito importante as pessoas participarem da solidariedade”. Asseverou o Bispo de Aracaju Dom Cosmerino de Souza Neto. Aracaju crescia feito uma mocinha. Ora, ela se estendia rumo ao sul, ora ela esticava para cima como que quisesse o seu lugar de cidade grande. Como as demais cidades brasileiras, Aracaju tem suas mazelas. Dizem os historiadores que esse problema é herança da colonização e da forma como foram fundadas as cidades do Brasil.

– Chega mulher! Chega!
– O que foi vó?
– Olha a TV! O sul está se desmanchando. A água encheu tudo!
– Graças a Deus que Aracaju não tem dessas coisas! Disse dona Dilza.



Dona Dilza conhecia todo mundo no “Costa e Silva” – Um bairro de classe média baixa de Aracaju. No Costa e Silva as coisas ainda estavam por acabar; bem diferente das coisas da zona sul. No Costa e Silva, o esgoto estava por acabar, no Costa e Silva as calçadas estavam por acabar, as ruas e os becos estavam por acabar. O que nunca acabava era a fé do povo.

– Graças a Deus que tenho minha casinha no Costa e Silva.
– Num é mulher? Já pensou se a gente morasse na “Terra dura?”
– Nem pensar! Dona Dilza bateu a mão na boca três vezes ao concluir seu comentário.

Na Avenida Osvaldo Aranha, na altura da entrada do Costa e Silva, estava em pé, próximo a uma pequena ponte que dar acesso ao emaranhado de ruelas, um homem mendigo, um João ninguém, totalmente desconhecido. O coitado não parava de dizer: “Vocês vão ver! Roubaram minha mulher e a esconderam aí dentro no Costa e Silva. Pois, vai chover antes do natal e vai todo mundo morrer!”. O homem repetia a mesma coisa todos os dias e noites em que ele fez ponto ali. O homem sumiu. Até hoje não se sabe seu paradeiro.

Maria filha de Judite, muito amiga de Dilza a contou do ocorrido. “Tem um profeta na Osvaldo Aranha. Ele diz que Deus vai castigar o Costa e Silva”. Dilza riu muito e depois disse: “Nunca se quer choveu em dezembro em Aracaju. Isso é coisa de cheira cola. A conversa foi esquecida e a vida continuou para quem podia pagar suas contas.

No Costa e Silva a comunidade, de forma quase que geral, era muito prestativa. Embora Aracaju fosse uma cidade com quase 600 mil habitantes, você ainda comprava na “caderneta”. As pessoas compravam fiado para pagar no final do mês. Todo o bairro era cheio de mercearias e botecos com mesa de sinuca e televisão com karaokê. Nos finais de semana as pessoas gostavam de tomar uma, e comer a maravilhosa “moqueca de sururu” – um prato muito estimado pela população de Aracaju. Parecia uma imensa orquestra. Em cada esquina da cidade, em cada bar, em cada casa havia música e pessoas se divertindo. Um suíço hospedado no Siqueira Campos descreveu Aracaju como uma cidade em festa – uma cidade polifônica.

– O que mais me admira no Brasil é essa alegria. Disse o gringo coçando a barba rala.
– Pois é, meu caro. Nosso povo é muito alegre e tornamos a vida melhor de ser vivida. Disse Osnário, um professor da rede pública.

O gringo desapareceu Brasil a fora. De vez em quando ele manda um e-mail com fotos para os amigos que ele fez na pracinha do Siqueira. Dizem que o cara arranjou uma namorada e está vivendo no Maranhão.

– Dilza! Dilza!
– O que foi mulher? Perguntou a mulher a sua colega pela mureta do quintal. O que separava a casa de Dilza da de sua melhor amiga era uma mureta de cimento e blocos. Logo atrás passava o canal. As duas famílias não suportavam o cheiro de esgoto e os pernilongos durante a noite.
– Sabe quem vai morar na baixada?
– Não!
– A viúva de Raimundo do ferro velho. Estão se mudando agora.
– Graças a Deus mulher! Vamos ter mais uma sofrida da vida para jogar buraco no sábado á noite. Concluiu Dilza.

A nova família do Costa e Silva trazia uma marca triste de sofrimento e dor. Isso fez com que mãe e filha se unissem como se fossem uma corda de duas dobras. Mariana era uma adolescente, filha de Natividade – a mulher de Raimundo do ferro velho.

– Mãe! A casa é boa mãe! Disse Mariana encantada com a nova casa.
– É minha filha. Graças a Deus, e a seu pai que nos deixou um dinheirinho, senão estávamos no meio da rua.
– Da rua não mãe! No meio da Osvaldo Aranha!
– Quem te disse isso?
– Ninguém! Os mendigos vão todos para lá. Por que mãe, por quê?
– Sei lá Mariana. Todos vão para lá, talvez por que tem muita gente, fica mais fácil ter uma esmola.

Enquanto as duas desfaziam os pacotes, e procurando arrumar a nova casa com uma nova decoração, a televisão anunciava as tragédias do sul do país.

“Niterói debaixo d’água: Mais de trinta casas soterradas. Três Pessoas faleceram no local”.
“Nova Friburgo chora seus filhos soterrados: A Defesa Civil estima mais de vinte mortes em Nova Friburgo!”
“Desabamento e morte nos morros de Salvador”.

Natividade e Mariana arrumam seu novo lar. As duas estavam muito alegres com a nova casa. O bairro não era ruim, e a casa não era de se jogar fora. As duas desfizeram os pacotes e a televisão anunciava o fim do mundo no Rio de Janeiro.

– Mãe, por que Deus deixa as pessoas morreram nas enchentes?
– Não sei minha filha! Mas, acredito que Ele sabe o que faz!

Em pouco tempo Natividade estava entrosada com os vizinhos. Mariana brincava com suas novas colegas. A vida seguia seu curso normal.

Em uma manhã de sábado, o dia nasceu cinzento. O tempo não ventava um instante. O povo da cidade sentia que estava em uma panela fervendo. O céu não tinha ar; era só vapor e mormaço naquela manhã do mês de dezembro. As mulheres do Costa e Silva aproveitaram o calor para lavarem roupa mesmo com o céu nublado. As nuvens não adiantavam de nada. A sombra parecia mais uma panela de pressão. Os noticiários avisavam que podia chover naquele dia a qualquer instante. Mas, não choveu aquele sábado, nem no domingo. A massa de água que tornava o céu escuro permanecia parada sobre a menina do Nordeste. Segunda feira chega e com ela a efervescência do comércio aracajuano. As ruas ficam lotadas de carro e de pessoas vindas das mais diversas partes do estado. A massa humana ocupa as ruas em busca do pão de cada dia – esta é Aracaju, e assim deve ser em toda parte do Brasil.

Mariana brinca com suas colegas no quintal de sua casa. A brincadeira estava animada até que Lucinha joga, sem querer, a boneca de Mariana por cima do muro dos fundos. A boneca cai no canal que passava no fundo das casas. Mariana pega uma cadeira para ver sua boneca.

– Mãe, mãe, venha aqui ver!
– O que Mariana?
– Veja! Tanta barata!
– O que menina?
– Baratas!

As baratas estavam mudando de morada. As pessoas foram para cima dos muros para ver as baratas saírem dos bueiros e buracos espalhados pela área. Elas saíam ao mesmo tempo formando um monte que depois se desfazia quando elas corriam em uma só direção – A Osvaldo Aranha. O povo do Costa e Silva nunca tinha visto tanta barata ao mesmo tempo. O estranho é que elas estavam apressadas e determinadas a deixarem o lugar.

– Mãe, até as baratas vão para a Avenida Osvaldo Aranha?
– Num sei Mariana! Estou sem entender! Deve ser o mesmo que aconteceu no Siqueira. As aranhas invadiram as casas próximas a Leste.
– E foi mãe?
– Foi.
– Mãe a Osvaldo Aranha fica lá em cima, não é?
– É.
A Avenida Osvaldo Aranha ficava em um nível mais alto de que a rua das casas onde Natividade e sua filha Mariana moravam. As baratas são sabias e diligentes. Quando elas sentem que algo está errado, elas fazem o que deve ser feito. Mas, isso é pensamento de baratas. Apesar do calor daquela segunda feira as pessoas cumpriram a rotina do dia normalmente. No final do dia foram beber a loirinha. Nesse horário, Aracaju se transforma. Existe um glamour na cidade. As pessoas se encontram com as outras para conversarem nos shoppings, nos bares e botecos espalhados por toda a cidade. É uma coisa tão agradável que as pessoas perdem a noção do tempo.





– Puxa! Minha mulher vai me matar! Disse o PM Freitas.
– Rapaz! Relaxa! Já tá ferrado mesmo! Completou o raciocínio Eduardo, funcionário do IML.

Os dois continuaram a conversa até as dez horas. A noite de Aracaju estava quente. O abafado do dia não havia dado uma trégua. Os rapazes se separaram cada com seu destino. O PM para casa, no bairro Costa e Silva, e Eduardo de volta para o necrotério. Freitas não conhecia sua nova vizinha, dona Natividade. Esta ficou viúva cedo. Vivia muito só, e fazia muito que ela não tinha um homem. Mariana dormia sono profundo quando estoura o transformador da rua. Natividade corre para a porta onde estavam outras pessoas. Entre elas o PM Freitas.

– Meu Deus! Que houve?
– Foi o transformador! Uma voz grossa responde a dona Natividade.
– E o que é isso?
– É aquele objeto pendurado no poste!
– Sei, vejo! Mas, menino como é que isso acontece?
– Deve ter sido o calor. Fez quase quarenta hoje. Parece que o som da palavra hoje fez Natividade se lembrar que deixou Mariana dentro de casa no escuro. Ela corre para dentro de casa, e o soldado Freitas fica em pé defronte ao portão da casa. As pessoas mataram a curiosidade, por isso voltaram para suas casas, e Freitas permanece na rua. Dona Natividade acende algumas velas e sai de casa novamente para fechar o portão. Quando ela se aproxima dele, percebe que havia um homem ali.

– É você? Onde estão as pessoas?
– Já foram. Eu acho que vou também. Um pingo d’água cai na cabeça de Freitas. Ele passa a mão e sorri para Natividade. Esta lhe responde o sorriso. Natividade toma o rumo de dentro de casa; um pingo d’água cai em sua testa. Ela sorri e entra se juntando a sua amada filha.

Freitas ficou com a imagem de Natividade em sua mente. Sua esposa dormia quando o soldado se levanta um pouco ansioso. Ele sentia vontade de voltar à casa da vizinha, nem que fosse para dar uma olhadinha. “Rapaz que coroa atraente!” Sua mente repetia isso o tempo inteiro. Tornou-se uma obsessão. “Rapaz que coroa bonita!” Seu pensamento ganhou força fazendo-o voltar à casa de dona Natividade. Ele bate no portão de ferro com uma pedra pequena. Repete o feito mais uma vez. Depois, novamente e novamente. A cada tentativa a ansiedade da mulher abrir a porta era grande, contudo, sua mulher estava, bem ali, na outra casa. Freitas cobra o juízo e toma a direção de sua casa de ombros caídos. A porta da casa de Natividade geme baixinho. O coração de Freitas estava certo.

O quarto de Mariana ficava na frente da casa. Dona Natividade foi para o quintal onde havia uma cobertura e uma rede cearense. O casal ficou ali, despreocupadamente, até ser despertado pelo o som de um leve chuvisco que caía nas telhas. Natividade acendeu uma vela para procurar sua peça íntima, e se depara com um monte de baratas vivas que saíam determinadas do bueiro do fundo de sua residência. Freitas ficou assustado com tantas baratas ao mesmo tempo e começou a espantá-las. Quanto mais o homem mexia, mais baratas apareciam.

– Mulher chame, amanhã, a defesa civil!
– Eles tiram as baratas? Perguntou a senhora do ferro velho.
– Sim, basta fazer a denúncia. Eles vêm imediatamente.

Os dois conversaram até perto das três. A chuva havia ficado mais forte; Freitas temia que sua mulher acordasse e notasse sua ausência e se retirou. Natividade voltou para seu quarto com uma música em sua mente. Fazia muito tempo que a pobre mulher não sentia a vida tão viva.

– Mãe! Mãe! A casa está cheia de baratas!
– O que foi menina! Fale mais alto! A chuva ficara forte e as duas mal conseguiam se ouvir.
– Mãe! As baratas tomaram a casa toda! Tem um monte de baratas por toda a casa. De fato, a quantidade de baratas havia aumentado consideravelmente. À proporção que a chuva aumentava, mais baratas desesperadas e agitadas apareciam. Mãe e filha se empenham na missão de livrar sua casa das baratas. Com álcool e fósforo nas mãos elas enfrentavam os insetos até que ouviram uma explosão abafada vindo das casas mais altas. A rua era quase uma ladeira que terminava no canal. Logo em seguida outra explosão e agora o som de água. As duas correm para pôr os móveis em locais altos. A reação foi quase instintual. As duas mulheres ficaram com muito medo; nada podiam ouvir das outras casas. Não sabiam o que estava acontecendo. A chuva aumentava ainda mais. E a água dentro de casa também. Muitas baratas boiavam mortas na água suja corrente. Seu cheiro era fétido. O cheiro das baratas pode ficar em seu nariz por muito tempo, mas, o cheiro da água do canal ninguém esquece!

Aracaju estava debaixo de uma bomba d’água. A massa de água decidiu cair de uma só vez. Os córregos da cidade inundaram, a maré aumentou fazendo os canais vomitarem suas águas. Uma enchente sem precedentes na história de Aracaju estava se configurando. Freitas percebe o perigo e pede sua mulher para ir à casa da mãe. Quando o casal decide sair de casa era tarde demais. Ninguém mais podia usar as vias públicas. Postes caídos, fios elétricos vivos, bueiros arrebentados, redemoinhos em toda parte. A cena era aterradora. A água descia em direção as casas à margem do canal que transbordava seu conteúdo letal. A primeira casa caiu, a segunda, a terceira, finalmente a casa de Natividade. As duas ficaram em baixo de um pedaço de laje. Parecia um milagre: “Natividade, eu vou chamar ajuda!” Disse Freitas. Não houve respostas.

– Mãe! Mãe!
– Fique quieta Mariana, em breve vão nos pegar! Tenha fé em Deus!
– Mãe! Não sinto mais as pernas!
– Menina, menina, espere mais um pouco!

A água subiu e cobriu toda a margem do canal. Freitas voltou com os bombeiros, mas, era muito tarde. Morreram Mariana, Natividade, e um mendigo que dormia no fundo das casas beirando o canal. As águas duraram três dias para baixar. Acharam os corpos de mãos dadas, mãe e filha. O mendigo foi levado para o necrotério ao lado das duas. Dizem que seu ventre ao ser aberto revelou-se estar cheio de baratas.

Após a enchente do Costa e Silva nenhuma providência foi tomada. As coisas estão como sempre foram. Os mendigos vão para a Avenida Osvaldo Aranha, e se alguma barata resolve correr para lá. As pessoas olham para as nuvens…

AS HORAS PASSAM

As horas passam…
Ela era um sonho repetido nas noites e dias de minha mocidade.
Uma transgressão velada até da alma que insistia em dormir.
Uma partida na primeira hora, na aurora, e no entardecer.
Uma boca beijada; gotas de orvalho após um dia quente num verão que se estende.
O amante é cego; é um bruxo que trabalha contra si.
A paixão é feitiço; é fogo que derrete o ferro e o aço.
É vinho que embriaga a razão e entorpece o juízo.
É uma mulher egoísta a andar sozinha na praça.
É um vendedor de fantasias e prejuízos.
Contadora de histórias, e de desgraças.
Ela era um alento; tirava-me do espírito tormentos.
Mesmo por um momento; curto minuto numa eterna sede insaciável.
Um copo de água com lágrimas e sofrimentos.
No chão, vidros quebrados; cacos cortantes, na calçada, espalhados.
Quem passará?
Foi uma despedida?
Será que amanhã não terei você?
Há pessoas que nascem para amar; e outras que vieram beber do cálice da ventura.
Triste foi o dia do teu nascimento! O teu prazer será só por um sopro!
Será uma carteira roubada de um bolso desatento na feira.
Isso foi o seu encontro com sua parceira.
Uma nuvem escura diz da chuva que virá.
A água que corre levará as lembranças de ontem.
A água que nunca volta; a correnteza que some nos bueiros escuros da solidão.
Foi um caso. Só um caso.
Mais um, entre milhões.
Será?
Uma lágrima caiu de seu olho;
Uma gota de água e sal escorreu pela face triste.
O seu peito esquerdo encolheu e a moça se foi…

quinta-feira, 22 de junho de 2017

A NORMA

A norma
I
Queremos que os outros mudem.
Ou tentamos muda-los segundo a crença nossa ou a comum.
Manipulamos a matéria de acordo com nossa lógica.
A lógica que é como uma moça criada com mimos desde os tempos antigos.
Ela é alimentada por seus amigos e inimigos.
Ela é como a serpente que nos espreita em sua loca.
Ela é a regra vivida nos becos e encruzilhadas;
Tanto na chegada como na despedida.
Ela é a razão de uma civilização atrapalhada.
É a causa de tua vida sofrida.

II
Ontem eu estava no reflexo do vidro da janela do vizinho.
Vi-me o mesmo! Eu era como uma pedra perdida e solitária num deserto ermo. Meu rosto tinha a mesma cor; meus traços, embora o disfarce costumeiro, exibiam a rotina de uma diária lida sempre corrida; meus olhos eram laços; suas lágrimas gotas de aço derretido, e o meu nariz o de um garrido palhaço.

III
Ontem meus ossos estalaram com o peso do mundo sobre meus ombros vacilantes. Tentei joga-lo nas costas dos outros, mas, foi em vão. Cada um carrega seu mundo, sejas tu José ou João. Tua vida e tua morte é tua; é só tua. Não adianta tentar fugir da estrada em que todos passam, pois, é em vão ocupar teu irmão com a tua sorte e nem tu te tornares um ambulante sem norte.

IV
Os passos dados são de inteira responsabilidade do viajante.
A estrada em que andamos é uma combinação nossa e vossa.
Nesta jornada nada nos foi doado, tudo, na verdade que é importante, é filho do luto.
Ela é a estrada que foi construída com muita prosa.
E sem pressa e sem carreira, o nosso caminho foi aberto por uma velha faladeira.

V
Ah, as coisas velhas!
Ah, as coisas da velha faladeira!
Ah, a lógica que foi a primeira!
Ah, que ilusão dos andarilhos!
Ah, vejam o trem e seus trilhos!

VI
As velhas e novas coisas se fazem presentes sussurrando um passado distante ao ouvido do peregrino. E este crer em quase tudo ou em quase nada. Tanto um quanto o outro são a mesma coisa; a velha coisa que se tornará em outra coisa em outra história que desconheço.
E eu olhei mais uma vez e vi os homens recolhendo os pedaços de outros homens. Cada um era um irmão ou uma irmã tua e minha. Nós somos corpos retalhados com preços calculados. Somos mentes híbridas e espíritos mestiços cheios da poeira do caminho por onde caminhamos. Somos a soma de nossas sepulturas; somos, nas praças para quem passa, antigas esculturas que se esfriam como metal derretido na taça do tempo.

VII
Então, é bom pensar!
Então, é maravilhoso sonhar!
Mas, isso se torna inútil. Pois, a lógica dos homens é o delírio do ébrio que tenta encontrar o caminho de volta. O pensar é a ilusão da alma aflita que busca sentido no chão e no ar. Assim, o pensar dos homens é igual a eles – é poeira varrida pelo vento.

sexta-feira, 28 de abril de 2017

INSONIA

Se eu pudesse me deitaria e dormiria sossegado a noite toda; se eu pudesse poria minha alma em meu leito nas horas noturnas e faria de mim uma ilha cercada de lençóis e travesseiros macios.
Mas, não posso; isso é fato. E se é momentâneo não o sei.
Não posso dormir, embora, pesem os olhos a fadiga do longo dia de lutas e cânticos de esperança.
Lamento dizer, mas, parece que dormir é um direito que não tenho, não sei se estou certo; não tenho certezas; se sei, perdi a razão das coisas.

Se eu pudesse faria de mim mesmo o sono com ou sem roncos; o outro, no momento, não é meu foco. Se eu pudesse me esbaldaria de tanto descansar enquanto o mundo agitado maquina mais um dia sobre as incertezas de todos os viventes racionais.

Eu vi, dias atrás, que nem tudo é o que parece ser. A semelhança das coisas são apenas coisas que percebemos, o mundo é uma metáfora de ideias voláteis. Enfim, criamos tudo menos essa esfera perdida no meio do nada.

– Ah, se eu pudesse sentir a tranquilidade das horas quietas!
– Ah, se eu dormisse uma noite completa das seis às seis!
– Ah, se eu, decididamente, acordasse e visse outro mundo que minha mão não ajudou a criar!
Insisto em dizer: “Essa insônia não é só minha!”

Isso é coisa malvada de todos os olhos; Isso é mais que um isso; é o tormento dos homens que se abandonaram em ser; são homens reféns das ilusões alheias.

Ser! Eis a falta de razão! O ser é coisa que fere os olhos; ele cega-nos de dia para que à noite o não-ser que se esconde entre vísceras e pano, ou máscaras e fantasias diga de si no solitário vácuo do sono.

Ser insônia é algo, extremamente, racional; é a depurada lógica dos que fizeram o isso-mundo, ou o tudo isso; um isso que reclama por aquilo; ser aquilo é ser diluído pelo solvente de uma civilização angustiada. Na terra, os homens se ferem no tempo e no espaço, e segundos depois se abraçam, se irmanam, fazem proezas do bem ainda com o sangue do outro na mão esquerda. Isso é uma festa; uma ironia das coisas que pensam pensar em alguma outra coisa.

Insônia! Essa é a condição do ser no mundo. Pois, os que dormem nada sentem; nada veem, nada fazem, excerto, sonharem com seus fantasmas, e estes são almas sem corpos, ou corpos sem almas; são criaturas desalmadas que perambulam por aqui e ali em busca de algum sentido novo.



Se eu pudesse, eu dormiria! Se eu pudesse eu seria esse paradoxo incompreensível de querer ser mais alguma coisa além de mim mesmo. Que pena tenho eu dessa criatura que sou! Sou a vítima de minhas escolhas, ou o herói de um filme holliwoodiano.

Minha cama é maior que minhas medidas.
Oh, que gozo inefável de ser nesse retângulo de tecido mole!
Oh, que prazer de deitar-me cedo e apagar as luzes!
Oh, Que coisa boa é dormir