domingo, 13 de novembro de 2016

SOLIDÃO

SOLIDÃO
A entrada da casa estava suja.
Papéis, folhas, pedaços de qualquer coisa espalhados pelo chão.
Chão frio, indiferente; uma memória calada de tempos idos.
Passos lentos penetram o imóvel esquecido.
– Aqui foi um lugar tão bom!
Suspirou a pobre alma terrena que vaga pelas avenidas.
Sai à procura de sua outra parte o ser divino, porém, humano.
Humano solitário; uma solidão de carne e ossos;
Um mundo populoso, contudo, impessoal; cheio de faces estranhas.
De um pedaço de si esquecido em algum lugar está a caçar o viajante.
Um fantasma amigo que esboce um sorriso ou lhe dê um abraço.
Uma musa que lhe sirva de laço;
Uma inspiração para o amanhecer de outro dia.
Companhia!
Sentiu o Cristo na solidão da Cruz a ausência do Outro.
Seus amigos não o viram como Ele é.
Um carpinteiro despido de rei padecia a mais cruel de todas as solidões.
O homem tece a teia com os fios de suas escolhas!
O homem encastelou-se em seu castelo com medo da brisa gélida.
O homem é tão pequeno que não preenche seu próprio quarto.
Ele é tão efêmero que seus sonhos se transformam em bolhas de sabão.
Na terra há solidão!
Um vazio no peito dos homens nos diz que não há ninguém aqui.
As ruas estão cheias de números, de pessoas, de fantasias, de interesses, de sonhos e, sobretudo, de pesadelos.
– Teu inimigo é o outro que te espreita a cada esquina!


– Teu algoz são os homens, teus irmãos, teus primos e primas!
– Ah, se a humanidade cresse que no madeiro do Calvário estava um santo carpinteiro!
– Dizem que Ele nos prometeu companhia:
“Estarei convosco todos os dias de vossas vidas”.
De Jerusalém ouvi o grito: “Pai, por que me abandonastes?”
Em Nazaré, seus irmãos não o conheceram.
Seu sangue está nas mãos de Pilatos, de Caifás, e de toda a corte sagrada.
E o mundo é o mesmo mundo;
O de Paulo, o de Maria, o de João, o de Tadeu, o de Clementes, o de Dona Raimunda do Acarajé, até de Edmundo que deixou de viver por causa da mulher.
Na entrada da casa havia uma sombra.
Uma silhueta de gente.
Uma alma suplicante.
Um coração carente.
Um perdido viajante.
Um velho, amigo de uma velha que teve fé.
Um marido sem companheira.
Dois irmãos que vivem sozinhos sem afagos.
A noite veio; as luzes da cidade acenderam.
As sombras sumiram…

COMPANHEIRA

O que digo de mim será sempre suspeito, contudo, quando falo dos homens eu falo direito.
O meu delito escondo no peito.
A minha dor divido com outros.
Culpo o mundo;
Culpo a rua;
Culpo o cachorro do vizinho ou o radio ligado na outra casa.
Ah, se o mundo fosse só meu!
Ah, se todas as mulheres fossem só minhas!
Ah, se eu soubesse quem sou eu!
Sou uma flecha atirada no tempo.
Uma probabilidade de vida.
Sou a chegada, sou a partida.
Uma risada, uma triste cantiga.
Ontem vi o sol deitar-se cansado no horizonte quieto.
Ontem vi meu pais trabalharem muito para terem pouco.
Ontem me deram lições de vida.
– A sobrevivência é tudo!
– A carne da fera não pode faltar!
Mas as flores vestem o mundo quando há sonhos.
Todo homem deve sonhar.
Toda alma precisa amar.
Toda carne transgride, mas, aprende.
São meus pensamentos ventos que o mundo espalha.
Sou eu um ser de ferro e palha.
Um espantalho da gula e da soberba do outro.
Ah, se eu vivesse só.
Ah, se um solitário ganhasse o salário da fama.
Ah, se no mundo coubesse somente a minha trama.
Mas, minha alma clama pelos dedos finos, e pelas mãos de lã molhada.
Mas, minha alma reclama pela dama que se deita em minha cama.
Mas, meu coração insatisfeito encolhe os beiços no sofá da sala.
O silêncio me mata sem minha outra parte.
A quietude me dá impaciência no vazio da casa sem ela.
Bela criatura da terra; bela companheira de todas as horas.
A contradição é sua amiga.
Ela é como eu; ela é fluída, é líquido como nós.
Evapora no tempo como vós.
Escorre pelo ralo como água.
Andamos juntos, mesmo, quando não nos conhecemos.
Ela é o implícito dos meus ditos.
É minha amiga; Cinderela, bruxa do reino, gordinha, magrinha, branquinha, pretinha, amarela…