terça-feira, 15 de novembro de 2016

ENCANTO


A fria cidade de pedra encanta quem passa e até, quem trapaça; seduz as mocinhas com todas as gracinhas.
Seus corredores de asfalto, os prédios altos; as casinhas como pombais é um encanto em todo canto da urbes de ferro, de concreto, e árvores cheias de pardais.
Quem mora lá jamais está quieto. É só fascinação, orgulho de nossa geração, quem sabe a outra só conheça uma caverna.
O encanto dos homens quase sempre destila pranto; é coisa pontiaguda, é aço, é vergalhão, e no final do dia, depois que todos seguiram seu guia, só restaram ruas vazias, uma imensa solidão.
- O que foi que eu fiz?
- Onde errei?
- O que não fiz?
- Ninguém é sábio o bastante para decifrar o que está na pintura dos homens.
A bruxaria da cidade arregala os olhos de todas as idades.
Contudo, é magia negra, é feitiço, é ebó arriado na beira do precipício.
Não te permitas que ela saiba teu nome. Esconda-se nela e dela, mas não feche a sua janela. Sempre haverá uma estrela no céu a brilhar.
Na cidade que encanta, os homens são coisinhas, são pedaços de carne e couro curtido assando ao sol escaldante.
No entanto, lamento teu pranto!
Os que nascem nessa terra viram plástico, papel, ou qualquer coisa que ela consuma.
Não chore o doravante, nem romantize o passado, as coisas também são tempo, e as pessoas se tornam retratos.
Ah, lembranças!
Os homens sonham; não há quem segure esse transito de engarrafamento, de sofrimento, de lucro e exploração, alternados com breves momentos de riso, carinho e paixão.
Ah, lembranças!
As praças, as avenidas, os teatros, os esgotos e as fezes escorridas.
Sim!
A tua e a minha!



SAPATOS

Debaixo da cama de minha mãe, eu via um par de sapatos todas as noites.
Os sapatos calados me lembravam um rosto triste.
Uma voz roca a suplicar alento.
Um dia inteiro de calor e labor intenso.
Um homem tenso.
De corpo magro e pele branca.
De bigode grosso sobre lábios finos.
Uma mão, um cigarro acesso.
Uma coluna de fumo que subia ao céu.
Uma noite perdida sem sonhos.
Uma beleza de mulher coberta por um véu.
Conheci um homem triste no mundo.
Conheci um homem, um mundo.
As manhãs chegavam logo.
Os sapatos sumiam com o dia.
Ao meio dia o sol ardia.
O mundo assava no asfalto.
As telhas dançavam sobre as casas.
E as crianças diziam: mãos ao alto!
No alto do morro do mucuripe.
Não importa se moro agora em Sergipe.
Desejo sonhar de novo.
Os sapatos ainda estão lá.
Os pés também.
Que bom...