quarta-feira, 26 de julho de 2017

MEU AMIGO

MEU AMIGO
Meu amigo, falam de ti. Tem dias que ouço verdadeiras barbaridades sobre ti. Outras ocasiões dizem tudo de bom de você. Fico sem saber o que dizer. Tem noites que minha alma não consegue o sono e rola na cama quando teu nome chama antes do sol nascer. Não sei, mas, no que penso não posso crer, pois, minha crença se revela líquida como a água; minhas ideias são como águas descendo uma ladeira de pedra.
A pedra que me fez; a dura pedra que fere a carne.
A pedra que dura até se tornar poeira.
Esta é, na verdade, toda a essência desta excelência que sou eu.
Sou pedra e sou água. Sou vida e morte. Sou alguma coisa de uma mesma coisa que eu não sei o que é.
Por isso eu digo, ou, penso que digo. Faço da semântica uma amiga. Brinco com as palavras como se fossem peças de um jogo. Um jogo complexo, tão complexo quanto o traçado do mundo.
“Eu sou eu”. Disse seu Raimundo quando discutia política com Anacleto leiteiro. Cada um disse o que achava ser vero. Cada um falou o que pensou ser verdadeiro.
Eu também sou eu; sou uma criatura que busca transcender o mero dever. Dizem que preciso ser. Sou eu o que precisa ser.
Lamento, mas, esta lógica de ser não tem sentido. Pois tudo que se torna ser vira plástico, ou papel higiênico. O ser é tão artificial quanto o papel, ou o jornal que jogam no teu jardim.
Sou uma caricatura dos homens, uma silhueta da sombra que passa apressada. Somos, eu e você a mesma essência de uma consciência mestiça, híbrida, diversa, que escorre no espaço como vinho derramado.
Meu amigo, falam de ti e nunca terminam o que dizem. Existem sempre reticências no final das sentenças; nunca acabam a prosa que se estende noite a dentro. Quando na manhã seguinte nascem rosas, então teimosas, tuas mulheres dançam as núpcias. Todo ano, por toda a vida, as meninas correm a corrida até o altar da matriz.
Meu amigo, sei que as palavras não cessarão; enquanto houver dúvidas haverá um clarão. E em todas as casas, e em todos os quartos verei teu retrato. Tua cara, teu choro ou teu sorriso tua verdade, ou teu cinismo.
Meu amigo falam de ti; eu mesmo declino o verbo em agonia de consciência. Mas tenha paciência tu fazes o mesmo comigo. Somos amigos inesperados, inimigos inveterados, amantes apaixonados; e uma pedra dentro de uma poça d’água.
Assim, não tem assim, esta é uma história sem fim. Seu começo, dizem que tem hora, mas, seu fim, embora, esperado nunca manda recado. Na verdade, o fim de um homem nunca chega; seus irmãos o carrega até a próxima geração. É como mais um inverno e outro verão.
Meu amigo, falam de ti.

AQUELA CASA


Da casa onde morei não tenho retrato.
Não me recordo da cor da pintura de sua estrutura.
Nem me lembro de seus metros quadrados ou de quantos tijolos usados.
Mas do mamoeiro, ou da goiabeira não preciso que ninguém me diga.
Pois, destas coisas minha mente não se fadiga.
Eu era um menino a experimentar o corpo e a mente no espaço e no tempo da casa da Rua Francisco Holanda. Eu era uma criança que crescia nos areais da Aldeota. Eu era o começo de mim mesmo a traçar um destino, um rumo, um tino que me fizesse crer que as coisas são as mesmas coisas em que meus pais acreditaram.
Da casa da Francisco Holanda ainda ouço as risadas na calçada; a alegria da meninada, e o meu soluço no quarto dos fundos quando a noite cai no quarto de meus pais. Ali, eu encontrei os mais velhos, mais sábios, menos sonhadores cujos corações entre risos e dores buscavam a razão no mar de questões; um cheque mate sem rei, somente peões.
Foi na Francisco Holanda que vi o céu azul e senti o chão frio na área do quintal de minha casa. Eu era um pássaro a voar sem pouso definido. Sem plano estabelecido; sem medo do infinito.
Eu abria os braços e o oceano azul celeste era o espaço onde meu corpo e mente vestiam suas novas vestes.
Deitado com os olhos para o alto voltados, escutava eu a voz de meus amados. Os dois, cada um no seu lado; uma certeza intranquila; um rio sem correnteza.
Na área da frente onde se recebe os visitantes estava o ser infantil a indagar do mundo. Uma pedra gelada na cadeira sentada discorria sobre o nada com voz de parente. Seus olhos congelados e sua mente descontente não saiam do transe desalmado – “Sai daqui menino!”
Em seguida sua imagem se desmanchava em frente à televisão.
Aquele ser materno; meu colo, meu amor eterno ainda não via que a vida tem seu dia; ou que os homens mudam como o camaleão.
Meu pai chegava às seis trazendo religiosamente o sagrado pão.
Seus pés entravam em casa vacilantes; suas mãos pálidas diziam de mais uma batalha vencida, contudo, as dores nos pés e nas costas não escondiam de minha mãe o cheiro da moça, mas isso não é tudo. Aquele homem, o homem de minha vida não era um carrancudo!
Da casa da Francisco Holanda me lembro com prazer. Recordo me de minhas irmãs jogando voleibol; dos amigos de meus pais na mesa de pôquer, da cachorra malta a latir de alegria fosse de noite ou de dia. E muito mais, quando o dia era de paz. Aquela casa, a casa da Francisco Holanda não passou. A vejo aqui e acolá. Parece que ela mexe com a gente, e parece que o tempo é um corvo velho e experiente.
Eis que vejo tudo de novo...