sexta-feira, 28 de abril de 2017

INSONIA

Se eu pudesse me deitaria e dormiria sossegado a noite toda; se eu pudesse poria minha alma em meu leito nas horas noturnas e faria de mim uma ilha cercada de lençóis e travesseiros macios.
Mas, não posso; isso é fato. E se é momentâneo não o sei.
Não posso dormir, embora, pesem os olhos a fadiga do longo dia de lutas e cânticos de esperança.
Lamento dizer, mas, parece que dormir é um direito que não tenho, não sei se estou certo; não tenho certezas; se sei, perdi a razão das coisas.

Se eu pudesse faria de mim mesmo o sono com ou sem roncos; o outro, no momento, não é meu foco. Se eu pudesse me esbaldaria de tanto descansar enquanto o mundo agitado maquina mais um dia sobre as incertezas de todos os viventes racionais.

Eu vi, dias atrás, que nem tudo é o que parece ser. A semelhança das coisas são apenas coisas que percebemos, o mundo é uma metáfora de ideias voláteis. Enfim, criamos tudo menos essa esfera perdida no meio do nada.

– Ah, se eu pudesse sentir a tranquilidade das horas quietas!
– Ah, se eu dormisse uma noite completa das seis às seis!
– Ah, se eu, decididamente, acordasse e visse outro mundo que minha mão não ajudou a criar!
Insisto em dizer: “Essa insônia não é só minha!”

Isso é coisa malvada de todos os olhos; Isso é mais que um isso; é o tormento dos homens que se abandonaram em ser; são homens reféns das ilusões alheias.

Ser! Eis a falta de razão! O ser é coisa que fere os olhos; ele cega-nos de dia para que à noite o não-ser que se esconde entre vísceras e pano, ou máscaras e fantasias diga de si no solitário vácuo do sono.

Ser insônia é algo, extremamente, racional; é a depurada lógica dos que fizeram o isso-mundo, ou o tudo isso; um isso que reclama por aquilo; ser aquilo é ser diluído pelo solvente de uma civilização angustiada. Na terra, os homens se ferem no tempo e no espaço, e segundos depois se abraçam, se irmanam, fazem proezas do bem ainda com o sangue do outro na mão esquerda. Isso é uma festa; uma ironia das coisas que pensam pensar em alguma outra coisa.

Insônia! Essa é a condição do ser no mundo. Pois, os que dormem nada sentem; nada veem, nada fazem, excerto, sonharem com seus fantasmas, e estes são almas sem corpos, ou corpos sem almas; são criaturas desalmadas que perambulam por aqui e ali em busca de algum sentido novo.



Se eu pudesse, eu dormiria! Se eu pudesse eu seria esse paradoxo incompreensível de querer ser mais alguma coisa além de mim mesmo. Que pena tenho eu dessa criatura que sou! Sou a vítima de minhas escolhas, ou o herói de um filme holliwoodiano.

Minha cama é maior que minhas medidas.
Oh, que gozo inefável de ser nesse retângulo de tecido mole!
Oh, que prazer de deitar-me cedo e apagar as luzes!
Oh, Que coisa boa é dormir

domingo, 2 de abril de 2017

DELÍRIO DA AMANTE

DELÍRIOS DA AMANTE

Ele a desejou quando a viu pela primeira vez.
Ele chorou quando pensou em tê-la.
Ele implorou aos céus para que lhe desse ela.
Ele não contou os dias que seriam, nem perguntou o preço da passagem.
As crianças brincam a beira do precipício.
As crianças não pensam na morte.
Assim foi a sorte do moço do norte.
O amor arrebenta no peito como a água de um minador.
Isto é um milagre da natureza; é coisa do criador.
Ele a amava muito.
Ele sonhou com ela. O moço acreditava em tudo. E ela também.
- Onde ele está? Um dia perguntou a moça da rua Pernambuco.
- O rapaz se foi. Dizem que cruzou o mundo. Dizem que ele não é mais ele. O mesmo transformou-se na diferença.
As mulheres choram seus homens caídos.
As mulheres esperam amores idos; eles são como vapores que sobem nas calçadas frias do sul.
Ele a amou como soube. Ele a amou enquanto pode. Ele a amou enquanto acreditou em quem era, ou no que pensava ser.
Os dois caminharam numa estrada sofrida. Foi senda de feridas, foi coisa feita, macumba sinistra ou a inveja da fulana.
Ele se foi para o agreste. A vida da moça virou uma peste.
Suas esperanças são como suas lágrimas – água destilada escorrendo pelos sulcos cansados do rosto.
O bom senso lhe disse certa vez: A fé permanece, mas, esperar cansa.
Sua dor foi a causa de sua transformação - a moça se tornou uma árvore torcida no tronco e nas raízes. Ela levou às últimas consequências sua crença. Ela fez sua beleza suas cicatrizes.
Um rosto gelado, uma testa pálida se apresentam num saudoso retrato.
Era um momento de delírio, mais um martírio daquele que espera.
Seu moço era uma estátua de cera, um manequim de terceira exposto nas vitrines das lojas e nas barracas da feira.
O tempo soprou as folhas, o chão agora limpo nada diz, nada fala.
O fogo queimou a palha.
E os homens são o que são:
Delírio, ilusão, sonho, desejo, amor, paixão...