quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

O AGENTE DE SAÚDE

O AGENTE DE SAÚDE
Houve uma época em que Campos estava com epidemia de dengue. As autoridades a esconderam para evitar o caos. A população teve poucas baixas, e o grande responsável por isso foi o agente de saúde. Muitas pessoas os enxotaram da frente de suas casas, mas, como soldados destemidos eles cumpriram seu dever como puderam, e para isso, muitos deles trabalharam além de suas forças e se perderam por aí. Noronha era um deles, um rapaz branco, de estatura alta e traços europeus. Noronha, fielmente, visitava todas as casas listadas para ele uma a uma não importava onde nem a que horas. A casa número 43 foi uma delas. Noronha conheceu dezenas de casas em Campos, portanto, o rapaz sabia com certa intuição onde seu pé pisava. Ele sabia que o mosquito da dengue era traiçoeiro, vil e perigoso, sempre pensou o jovem agente de saúde desta forma.
A casa 43 da Rua G do Conjunto dos Operários era uma casa deserta. Seus moradores faleceram e seus descendentes foram morar na Capital. A família alugava a casa quando tinha procura. A casa 43 da Rua G estava naquela época disponível, ou seja, vazia. Noronha não tinha a chave, nem teve contato com seus responsáveis. O rapaz planejou pular o muro da frente que não era alto, e jogar o veneno de dengue pelo quintal, pois em Campos muitas casas tinham suas caixas sobre o banheiro dos fundos. “Eu pulo; vou até lá, e jogo o remédio com minha colher”. Foi assim que fez o agente de saúde. A facilidade do trabalho e a rapidez do mesmo deixou o moço no quintal ocioso, e isto o fez bisbilhotar a propriedade. Noronha olhou para dentro pelo vidro da janela dos fundos. De lá podia-se ver parte da cozinha, do corredor, e da sala de recepção na frente da casa.
Noronha era um rapaz que cria na objetividade das coisas, e na certeza do que ver e toca. O rapaz era como todas as pessoas comuns – “a crença comum na estrutura do mundo”. Sua prima Jiló, quando tinha uma oportunidade dava uma cutucada no parente. O Rapaz recorda, com razoável frequência, das ceias em sua casa, na rua G, número 48, quando ele era um infante. Desta vez, o moço estava perto de casa. “Noronha nem os olhos, nem os pensamentos merecem confiança” – Alfinetava Jiló seu primo que se achava confiante das coisas. O rapaz olhava para dentro pela janela quando ouve atrás de si um som abafado seguido por um arranhão de unha na mesa da cozinha. O arranhão foi tão forte que fez o moço perder o equilíbrio e pender um pouco para trás. “O que foi?” Noronha entendeu ser um acidente. Ajeitou-se, e pôs - se em pé. A porta da cozinha estava aberta para sua surpresa, na verdade, o rapaz não tinha tanta certeza nem de uma coisa, nem de outra. A porta misteriosa dançava como solta pela força de um vento calmo. “Se eu continuar posso ter problemas”. Este foi o tirocínio do agente de Campos.
Enquanto isto se passava, Vozes são ouvidas vindas do portão. “Será que é alguém querendo alugar a casa?” Pulou o coração do rapaz com a carreira que ele dera para dentro da casa para se esconder no quarto do casal debaixo da cama cujos lençóis tocavam o piso. Noronha ouviu o portão de ferro pintado de cinza abrir, e os passos que logo acompanharam o gemido fino do mesmo. O passos eram para dentro de casa. “É mais de uma pessoa”. A imaginação de Noronha não dava para abarcar a cena do todo, o rapaz ficou quieto, aguardando uma chance de entender o que se passava, uma vez que, ele era apenas o “agente”.
Os passos dos estranhos se tornaram difusos; as direções várias fizeram Noronha ajeitar-se melhor debaixo da cama, e puxar o par de sapatos para perto de si. Vozes são ouvidas. Elas eram como o borbulho de águas distantes; o barulho delas nenhum sentido despertava, e isto fez Noronha sentir-se ainda mais em apuros “Será que não vão embora; vão ficar?”. Noronha percebe que aquelas pessoas estavam relacionadas a casa. Podiam ser os donos. Novamente, o silencio é rompido com sons ininteligíveis como alguém rezando um terço baixinho. “Mas, que diabo é isto? Vou ficar preso aqui? E meu chefe, meu ponto? Vou sair e resolver tudo! Mas, e se pensarem mal? Como perguntar o que faço aqui?” Noronha aquietou-se debaixo da cama, e aguardou o andar da carruagem. As vozes se tornaram fortes e altas bruscamente, como se alguém tivesse aumentado o volume de um rádio. Com isso, Noronha se arrasta mais para o fundo da cama e encontra uma caixa vermelha pequena de madeira de pinho.
O sol entrava pelas venezianas do quarto o que permitiu Noronha mexer na caixa enquanto as vozes conversavam nos outros cômodos da propriedade da rua G 43. “O que que é isto?” Na caixa havia uma foto antiga da casa. Noronha percebeu que todas tinham o mesmo muro, tinham a mesma altura e cor. Mas, para seu desespero, o número da casa era 48. “Meu Deus, será que confundi o oito com o três, será que estou na casa errada?” Os passos e as vozes se misturam numa sincronia perfeita; as pessoas nos outros cômodos estavam, de fato, interagindo sobre algum problema; algum assunto muito importante poderia se inferir daquelas vozes, pois, ora a voz da mulher cresce, ora a do homem também, ora, a de uma outra pessoa, coma voz mais suave que as demais se destacava na totalidade dos sons percebidos: “Você precisa saber que, aqui, em Campos, mulher nesta situação tá perdida; eu não vou tolerar tamanha humilhação!” “Marize, minha mulher, quantas famílias passam por isto, em Campos, e conseguem se estabilizar”. Noronha continua a bisbilhotar a caixa vermelha enquanto o casal, audivelmente, discutia o adultério do marido baseado na tese comum de que: “Se todos fazem assim, então, tem de ser assim”. A voz doce e frágil ergue-se mais alto que outra, e implora o silêncio do casal. Em seguida, a criança de 11 anos, do sexo feminino chora dando um dos celebres gritos do cinema de terror: “Parem!”
Enquanto isto, Noronha passa mais uma olhada na foto da casa para ter certeza do que via: “O número era 48; a casa da lista é 43, então, estou na casa errada!” “Pera aí, esta é minha casa!” “Mas, como?” “Eu tenho a chave de minha casa!” De fato, a chave de sua casa estava no bolso de suas calças suadas de tensão. “Eu pulei o muro porquê não conheci a casa; todas são iguais – é a repetição, a mesma coisa, eu confundi, pronto!”. Contudo, Noronha não sabia explicar quem eram as pessoas a falar, se a casa era, na verdade, sua mesmo. Noronha criou coragem repetindo para si a seguinte sentença: “Esta é minha casa, então, tenho certeza que estou no meu direito”. Noronha, finalmente, sai de sua toca como o filósofo sai de sua caverna, e segue para sala de recepção.
A sala de recepção estava tão solitária quanto Noronha. E da mesma forma os demais cômodos. Nenhuma evidência de vida pensante foi encontrada. Somente os móveis, e as coisas de uma casa em geral compunham o cenário da casa naquele momento do dia 15 de agosto de 1997. “Pera aí, pera aí, pera! Eu tenho certeza que eu ouvi passos e vozes de pessoas!” Em seguida, Noronha baixou a voz. “Mas, eu não confundi o três com o oito?” O medo de ser pego e o pavor de ser assassinado haviam sumido. Agora, no coração do agente de saúde havia, apenas, pura curiosidade. A casa estranha que era, também sua, ou, supostamente sua, foi investigada pelo moço metro a metro. Nada seu foi encontrado na ocasião. “Então, está é a 43; deve ter algo errado, de fato, estou na casa certa”. Noronha foi ao quintal onde estava sua bolsa de trabalho, ele intentava ir embora. Lá, ele se deparou com algo muito estranho que, definitivamente, impactou seus sentidos. Duas bonecas estavam, uma de frente para outra, e conversavam, tranquilamente, sobre quando o papai voltaria. A criança dizia para sua mãe: “Quando o papai voltar, nós poderemos sair daqui; e, finalmente, vamos ser felizes. Mamãe, não chore mais, papai prometeu que desta vez vai ser bonzinho”. A criança repetia a mesma sentença, e a mulher boneca somente a escutava e fixava seus olhos de vidro azul em Noronha como se ele tivesse algo a dizer. O coração do rapaz saltou, novamente, com a carreira que ele deu de volta para dentro da casa. A casa estava vazia, como antes, mas sua coisas estavam lá desta vez. Sobre a mesa da cozinha um revolver 38 com três balas deflagradas irradiava a frieza de seu ferro. Um bilhete contava de seu amor por Dora e pela filha. Noronha tentou pular o muro de volta para fora, mas, para seu infortúnio, o rapaz, nunca mais tornou a ver a cidade além daqueles muros...

MOÇA

Ela estava sentada numa cadeira defronte a minha.
Suas pernas morenas descansavam um pouco até sua hora chegar.
Ela estava ali.
Levantei os olhos e vi suas lindas coxas cor de índia do Brasil.
Olhei seus olhos eram verdes acastanhados;
Seus cabelos pretos caíam suavemente sobre os ombros.

Um dia senti coisa parecida.
Nem um pouco diferente.
O coração não conseguia se aquietar.
Foi há tempos atrás, na beira do rio.
Uma paixão sem escombros.
Nem caminhos embaraçados.
Só beleza, só natureza.

A morena se mexe o tempo inteiro.
Fico faceiro;
Ouso um olhar.
Nas retinas nos encontramos no mundo.
Ela sorri, há um tom de luar.
E o homem se renova a cada evidência de afeto.

Será?
A linda jovem abre a boca e sussurra algo.
Finjo escutar e não entender.
Ela repete.
Bebo cada gota desse líquido precioso.
Repondo suas perguntas com coração moleque.
Fico à sua sombra até ser abraçado por seu carinho.

Meu despertador toca.
É hora de trabalhar.
E eu fui.
Mas a levei comigo.