domingo, 2 de abril de 2017

DELÍRIO DA AMANTE

DELÍRIOS DA AMANTE

Ele a desejou quando a viu pela primeira vez.
Ele chorou quando pensou em tê-la.
Ele implorou aos céus para que lhe desse ela.
Ele não contou os dias que seriam, nem perguntou o preço da passagem.
As crianças brincam a beira do precipício.
As crianças não pensam na morte.
Assim foi a sorte do moço do norte.
O amor arrebenta no peito como a água de um minador.
Isto é um milagre da natureza; é coisa do criador.
Ele a amava muito.
Ele sonhou com ela. O moço acreditava em tudo. E ela também.
- Onde ele está? Um dia perguntou a moça da rua Pernambuco.
- O rapaz se foi. Dizem que cruzou o mundo. Dizem que ele não é mais ele. O mesmo transformou-se na diferença.
As mulheres choram seus homens caídos.
As mulheres esperam amores idos; eles são como vapores que sobem nas calçadas frias do sul.
Ele a amou como soube. Ele a amou enquanto pode. Ele a amou enquanto acreditou em quem era, ou no que pensava ser.
Os dois caminharam numa estrada sofrida. Foi senda de feridas, foi coisa feita, macumba sinistra ou a inveja da fulana.
Ele se foi para o agreste. A vida da moça virou uma peste.
Suas esperanças são como suas lágrimas – água destilada escorrendo pelos sulcos cansados do rosto.
O bom senso lhe disse certa vez: A fé permanece, mas, esperar cansa.
Sua dor foi a causa de sua transformação - a moça se tornou uma árvore torcida no tronco e nas raízes. Ela levou às últimas consequências sua crença. Ela fez sua beleza suas cicatrizes.
Um rosto gelado, uma testa pálida se apresentam num saudoso retrato.
Era um momento de delírio, mais um martírio daquele que espera.
Seu moço era uma estátua de cera, um manequim de terceira exposto nas vitrines das lojas e nas barracas da feira.
O tempo soprou as folhas, o chão agora limpo nada diz, nada fala.
O fogo queimou a palha.
E os homens são o que são:
Delírio, ilusão, sonho, desejo, amor, paixão...