segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

CHAGAS – UM SUPER CIDADÃO


Por Roosevelt Vieira Leite


Chagas acreditava que as regras do mundo eram justas. Chagas teve uma educação pública, aqui, mesmo, em Campos. Do fundamental à faculdade Chagas se destacou, e seus mestres diziam que o moço de Campos seria um cidadão perfeito. O moço de Campos, filho da macambira e da jurema foi trabalhar em Aracaju, capital do estado. Lá, ele iniciou sua iniciação no jogo da vida na capital mais linda do Brasil. Chagas só não sabia que nem tudo é uma benção, na verdade, como dizia Joaquim, um velho campense que aprendeu desde cedo entre os de sua raça, raça negra como café, que o mundo é um grande balaio de gato com um guabiru solto dentro.
Eram dez horas da manhã a entrevista de emprego. Aquele seria o primeiro emprego do jovem filho do sertão. Seu futuro patrão iniciou a conversa com um bom dia seguido por uma dissertação perfeita sobre a crise brasileira. A conversa foi encerrada com uma mistura de olhos marejados e um aperto de mão com um sorrido espremido entre os lábios: “Ficam, então, combinados os R$ 4,24 a hora trabalhada?” Chagas trabalhou duro por 7 meses; no final dos mesmos, o jovem trabalhador do Brasil refletiu como pode sobre tudo. Sua conclusão foi: “Isto não é um emprego, isto é, na verdade, uma maracutaia para explorar a minha pessoa; tenho certeza que este é um caso isolado”. O segundo emprego de Chagas foi a farmácia “Compre tudo e pague quase nada”. Seu salário inicial eram os tais 4,24 do primeiro, mas, com uma diferença, ele recebia comissão por venda. Chagas labutou por mais sete meses de sua triste vida, e depois saiu do emprego alegando que ele trabalhava somente para pagar o transporte uma vez que o rapaz pegava duas conduções por dia, e tinha que comer fora. Seu gorduroso almoço lhe custava, diariamente R$ 12,00 mais um suco doce e ralo de R$ 3,00. O jovem, cheio de esperança que as regras de fato fossem justas como ensinavam seus mestres enfrentou mais este carma. No final dos setes meses sua conclusão foi. “O professor Martinho me ensinou que o Brasil é um país pacífico de gente honesta e trabalhadora. Não posso generalizar estes recentes casos meus”. Chagas fez, sem cursinho, sete concursos na esperança de passar em algum. Ele dizia: “Todos dizem que o ensino público não é eficiente, mas, aprendi com a diretora Alves que é o aluno quem faz a diferença, e eu fiz, a minha menor nota foi sete”. Chagas não passou em nenhum dos concursos e foi pleitear uma vaga de vendedor de passagens de ônibus na antiga rodoviária da cidade. O Gerente da mesma solicitou que ele apresentasse diversos documentos. No meio da papelada haviam comprovantes de idoneidade moral, certificados de escolaridade, exames médicos, e laudos de perícia médica, além da ficha criminal, caso, fosse o rapaz ex presidiário. Além de tudo isso, sua experiência completa de trabalho com autenticação no cartório caso fossem entregues cópias. Chagas foi instruído a esperar uma resposta dentro de quinze dias, pois, haviam duas mil pastas de pretendentes para serem examinadas. Chagas precisou pegar dinheiro de um agiota cognominado de Bigodinho do Aribé. Foram R$ 2.000,00 parcelados para 24 meses com juros de 17 por cento ao mês. Chagas percebeu a abusividade do contrato, todavia, cedeu às regras do jogo porque os bancos bateram as portas na sua pálida e suada cara. Três meses depois, a gerencia da rodoviária o chamou. Chagas passou a ganhar novamente 4,24 a hora sem comissão. No primeiro mês, o pobre Chagas comeu no albergue “Santo Antônio”, pois, seus proventos só davam para pagar a condução, a parcela do empréstimo e as dívidas amontoadas. “Fazer outras não”. Decidiu o filho ilustre de Campos do Rio Real. Sete meses depois, Chagas entendeu que ali não era o seu lugar; o rapaz cogitava sobre o fato de que o seu dinheiro só dava para pagar o agiota, o transporte e a venda, assim, ele era insuficiente para cobrir suas outras pequenas mínimas e poucas despesas. Chagas decidiu não sair de casa, não comer feijoada ou churrasco, ou tomar cerveja no finais de semana na casa de seus amigos. O moço se trancou no seu quarto quitinete por 210 dias. No final de sua reclusão sua conclusão foi a mesma: “Achei mais um picareta”. Chagas não sabia que a rodoviária era uma instituição estadual gerida por contrato terceirizado; isso era considerado excelência e eficiência. Chagas gastou o seguro desemprego por três meses, depois foi tentar a vida de novo, desta feita era um contrato na prefeitura de uma cidade satélite da capital sergipana. “Aqui você só ganha até novembro, em novembro, sua pessoa sai de férias, retorna em fevereiro, e volta a receber em março. O rapaz pensou sobre isso quieto com minúsculas gotas de água em seus olhos: “Ah, se eu pudesse pôr um negócio”.
Certa feita, assistindo TV, Chagas viu um anuncio: “O governo ajuda os pequenos empreendedores”. Chagas correu para a secretaria de ação social e inclusão: Traga os seguintes documentos – Cópia da certidão de nascimento ou casamento, caso fosse casado, identidade, CPF, certificado de conclusão dos estudos, folha corrida, nada consta, experiência profissional, e o projeto do empreendimento. As copias deveriam ser autenticadas e assinadas por ele no rodapé das páginas de todos os documentos. Chagas voltou ao agiota para pedir mais uma porçãozinha mágica: “Mas, você ainda me deve”. Alegou o contraventor criminoso, porém, muito necessário para quase todo mundo da casa grande, exceto, para os que conhecem as senzalas do Brasil. “Eu vou pôr o meu próprio negócio, finalmente”. Bigodinho do Aribé arregalou seus olhos redondos e verdes, o verde dos olhos franceses que invadiram a barra dos Coqueiros nos tempos da colonização. “Seremos parceiros”. Chagas voltou para sua quitinete no Siqueira Campos com mais R$ 2.000,00 emprestados nas mesmas condições do outro emprestimo. Chagas pôs o seu comercio de vendas de água de coco, pastel, e refrigerantes diversos. Seu estabelecimento não passava de um toldo, uma mesinha, um freezer velho de segunda, outras pequenas ferramentas de trabalho. Nos primeiros dias, a coisa, até, que rendia, mas, depois, segundo a explicação de Clementes, um sábio vendedor de cocos na feira, a crise pegou. Chagas não entendia bem a crise, ou se, de fato, existia alguma: “Quer dizer que a crise é a culpada? E porque os gestores não previram e se prepararam?” Chagas tinha sua desculpa, mas, Bigodinho não aceitou: “Que crise!” Esbravejou o homem que só queria seu dinheiro.
Chagas foi vender coco na rótula próximo ao cemitério da linha de ferro. As vendas eram mínimas. Um coco, aqui, outro ali. Com o tempo o homem se perdeu entre os flanelinhas e todo tipo de peixe morto que povoava o lugar. Certo dia, Chagas foi encontrado morto na lixeira do CEASA que ficava próximo. Enfiado em sua boca ensanguentada estava o bilhete: “Deveu, não pagou, morreu”.

EDITORIAL DE JANEIRO

No Brasil, o Estado convence a sociedade usando o discurso da crise; da conspiração geopolítica, e outros. Tem, até, alguns gestores que utilizam a desculpa do pecado como causa do sofrimento do povo. A classe média sempre entre os dois lados é a menininha que pensa ditar o ritmo das transformações. O povão nas mãos de uma mídia cúmplice do Estado e bem perdoada tributariamente, acredita em tudo que ver e se espelha nos personagens das novelinhas tidas como "The best coisa", e premiadas pelos estrangeiros como sendo "alguma coisa grande". Dizem as más línguas que o nosso atual gestor, um exemplar vivo de articulação propinatária, desculpem - me o neologismo, está, gentilmente, entregando as nossas empresas sadias a preço de nada comparado com o valor real delas. Os amigos desta corte comemoram seus lucros bancados pelos impostos do povo em restaurantes chiques da Europa alegando estarem a serviço da nação. Os militares calados assistem passivos o opróbrio, e o escarnio da nação diante do mundo inteiro. Vez ou outra eles dizem: "Estamos atentos" como se dessem um aliviada na culpa das armas passivas e quem sabe bem remuneradas. As eleições brasileiras de 2018 está assustando Wall Street e Brasília. Parece que dizem assim: “Se correr o bicho pega se ficar o bicho come”. Minha pessoa foi um dos tais que postou na internet contra um suposto golpe comunista em andamento no Brasil. Admito isso e digo: “Mas, como eu fui otário”, pois, na verdade, cinderela e seus amiguinhos estavam era me usando e a outros idiotas como eu para o golpe que obrigou o brasileiro a trabalhar mais, ganhar menos, se aposentar mais velho, e engolir a entrega das poucas coisas que ainda nos davam um pouco de orgulho de sermos brasileiros. Quero dizer ao meu leitor que amanhã haverá mais um aumento da gasolina sem aumento de salário. Fim de papo, vou abastecer meu carro velho comprado parcelado para 36 prestações com IPVA de 600 reais ao ano que anda em estradas cheias de crateras, mal sinalizadas e iluminadas, cheias de ladrões de cargas, e marginais que podem estarem fardados ou a paisana. Disse eu, plim, plim!

A VIDENTE

“Eu não posso contar tudo que vi e tudo que senti. Só posso dizer que eu vi; e o que eu vi, mudou tudo...”

Para Agatha, desde doze anos, a menina morena, de cabelos pretos e pele branca européia caminhava para a pequena Igreja no centro da cidade. Ela era cristã protestante; congregava na Igreja do Evangelho Santo. A moça esperava a volta de Cristo a qualquer momento. Suas orações nunca cessavam, fosse pelos seus familiares, ou pelos seus amigos, ou inimigos. Talita era uma moça evangélica que tinha certeza de sua salvação; a palavra de Deus, em suas mãos, era descortinada diante de olhos escolados ou não. Diz o povo que um dia a moça portadora de uma grande e misteriosa sabedoria explanou o evangelho para um doutor da universidade. Seus pais enchiam o peito de orgulho por sua filha pequena. Eles davam glória a Deus por tudo todos os dias.

- Sabe Geraldo! Acho que Talita tem o chamado do Senhor.
- Eu também acho mulher. Mas deixa a coisa aflorar! Geraldo e sua mulher Zefinha eram pessoas de classe simples. Tinham o bastante, nada de riqueza. O casal também servia ao Deus vivo com todo o coração.

Tobias Barreto, nessa época, crescia muito rapidamente. O comercio crescia como as novas Igrejas. Em cada rua do município havia uma. O comercio de Tobias se expandia como a fé de seu povo. O Pastor Elenildo, um dia, disse: “A fé é tão necessária como o dinheiro. Com ela se abre as portas do Céu, e com ele, as portas da terra”.

Talita entrou na igreja naquele domingo como era de costume. Cumprimentou a todos, deu a Paz do Senhor a todos, e se dirigiu ao seu lugar nos bancos da mocidade. O culto logo iniciou com a oração do prelúdio. O pastor levantou a voz em prece pela congregação e por todos os tobienses. Em seguida um grupo de jovens toma a direção e conduz o louvor. Talita acompanhava tudo com reverência e temor ao Senhor. Para a moça aquele seria mais um culto a Deus em sua vida. O pastor Elenildo, um homem de bem, considerado por toda a comunidade, pega a palavra da pregação. O homem brilhava naquele púlpito. Sua testa branca suada refletia o suor de uma alma servindo a seu Deus.
“Meus caros, Em face do momento em que vivemos, urge fazermos um enfrentamento da realidade seguindo coordenadas evangélicas. O apostolo não falou, por acaso, que nos dias finais as pessoas zombariam da Palavra e escarneceriam do próprio Senhor. Vivemos esta hora, amados! Vivemos o tempo da apostasia...”

A pequena Talita de olhos fechados e contrita tem uma visão: A pequena via uma forma azul no céu da igreja. Como se do teto saísse uma pessoa cuja luz era azul da cor do céu. O ser divino descia em espiral até o meio do povo. Este sem nada saber dava glória a Deus repetida vezes e intercalavam a louvação com aleluias vigorosas que fizeram as paredes do santuário tremer; Talita se assusta ao abrir os olhos. Fecha novamente os olhos e nada mais ver. Seu coração ardia como uma tocha de fogo. Mas, nada disse para ninguém. Todos foram embora, e ela também. Em casa a menina pergunta ao Espírito Santo sobre aquela visão: “Meu Senhor o que eu vi veio de ti? Se foi, o que foi que eu vi? Pois não entendo!” Zefinha havia preparado um cuscuz. A família, unida e feliz, comi antes de ir para a cama. Na cama, a menina repassa sua visão: “Um ser parecendo do sexo feminino desce do céu com um sabre na mão. Ela fazia movimentos espirais. Sua cor era azul celeste. Sua presença no santuário fez o povo, mesmo sem nada ver, louvar a Deus”.

A Igreja do Evangelho Santo de Talita, embora, renovada tinha muitas restrições às manifestações do Espírito Santo. O Diácono Celestino quem o diga. Muitos pastores perderam seus pastorados na Igreja do Evangelho Santo. Todos que vieram com suas revelações do Espírito Santo foram perseguidos. Celestino presidia os diáconos há quase vinte anos. Ele nunca perdoou um místico de Deus. O homem cria na visão racional das escrituras e que a razão é o motor para a compreensão das verdades divinas.

Talita com muita cautela procura dona Vera, a presidente do grupo de oração da igreja. O povo dizia que Vera falava em línguas estranhas. Diz o povo que ela entrava em transe e falava com o Espírito Santo nas línguas dadas por Ele. A igreja estava nitidamente dividida nessa questão, a xenolália. Os que se diziam bereanos “os que conferem as escrituras”, e os pentecostais - os que acreditavam nos dons do Espírito Santo. No entanto, a igreja como um todo era considerada fundamentalista. O movimento renovado não criara raízes na Igreja do Evangelho Santo.

- Dona Vera eu gostaria de te contar uma coisa. Faz uma semana que tive uma experiência e estou sem entender. Disse Talita.
- Minha filha você é uma moça nova, ainda menina, o que foi que houve?
- Dona Vera, apesar de ter apenas doze anos, eu sei o que vejo e o que escuto.
- O que houve minha filha? O pastor brigou contigo? Foi algum irmão ou irmã da igreja? Conte!
- Eu estava no culto neste último sábado e vi algo; algo sobrenatural. Acho que foi o Espírito Santo.
- O Espírito Santo?
- Sim!
- Por que Ele falaria com você? Tão novinha! Acho que o Espírito Santo fala com o Pastor, não?
- Dona Vera eu vi descendo do teto do santuário a figura de uma mulher. Ela era toda azul celeste; tinha um sabre na mão. Quando a vi, o povo deu glória a Deus. Depois olhei; vi vários pastores sentados, uns a direita, outros a esquerda de nosso pastor. Uns subiam de suas cadeiras e depois desciam. Outros ficavam da mesma altura. Acho que o Espírito Santo está dizendo que nossa igreja precisa de humildade.
- Minha filha! Nossa cabeça imagina tanta coisa estranha. Você está gostando de algum garotinho de sua idade? Talita viu que a presidente do grupo de oração nada lhe acrescentaria. A mulher não conseguia ver ou sentir nada sobre o mundo do Espírito. A menina decidiu ir para a Igreja e orar a Deus para Ele aliviar sua alma, ou se fosse o caso, perdoar seu orgulho e vaidade.

“Senhor, Meu Deus, Quem é tua pequena serva para ter uma Palavra do Espírito Santo para tua Igreja? Perdoa-me meu Deus!” Nesse ponto Talita chorava pela sua experiência que ela não entendia. Nesse estado de profunda oração, a moça, com os olhos fechados, ver por toda a Igreja sapos, cobras, e outros animais. Os animais estavam espalhados pelos os cômodos da igreja. Defronte ao púlpito havia um macaquinho preto de cabeça branca. “Esse é aquele responsável pela estripulia do pastor. Ele deve, e seu débito não será pago. Isso será sua queda. Medite sobre os outros animais e saberás o que há”.
- Quem fala comigo? Quem fala comigo? Gritou Talita sem sucesso de respostas. A moça saiu do templo com o coração ardendo. O sol subia no céu. Era quase meio dia. Talita vai para o missionário refletir sobre o ocorrido. Nessa época o missionário que era um pequeno zoológico de Tobias recebia pessoas todos os dias. Talita estava só. A moça sentava debaixo de um pé de eucalipto, ao lado da jaula dos macacos.

“Meu Deus, O pastor vai cair e eu posso ajudá-lo, mas, quem vai acreditar em mim?” Um macaquinho danado deu uma risada forte. Parecia que ela dizia alguma coisa para a pequena.

O vento soprava forte no eucalipto. Saia um zumbido intenso e agudo. Era como se o tempo chorasse. Dizem que quando tempo tem as mãos cruzadas, ele chora. Às vezes alguém escuta o choro do tempo. Talita disse para si mesma: “Eu vou avisar o pastor”.

- Pastor Elenildo!
- Sim!
- Deus pode falar com uma criança de doze anos?
- Sim, pode!
- Então, Ele me disse que sua pessoa vai cair se não pagar sua dívida!
- Calma! Calma! Menininha! Eu devo, mas, o dinheiro será levantado! No momento já tenho a metade. O restante o diácono Celestino garantiu que me conseguiria. Então fique tranquila que seu pastor não vai escandalizar o nome da Igreja. Talita voltou para sua casa de cabeça baixa e não mais quis saber de suas visões. Dois anos passaram o pastor Elenildo foi chamado a depor na delegacia sobre três cheques sem fundo. O nome da Igreja foi parar nos jornais. O escândalo foi grande. Naquela época não havia políticos prontos para abafar as coisas. Talita sabia que suas visões faziam sentido, no entanto, decidiu esquecê-las.

A Igreja passou pouco tempo sem pastor. Fernando veio de Alagoas fazer a diferença no Senhor. Era um jovem solteiro cheio de vida e de vontade de trabalhar. “Irmãos, quando senti o chamado do Senhor para essa obra; eu orei muito; e o senhor me respondeu em sonho. Eu estava, aqui, em Tobias, e na minha frente estava essa Igreja. As pessoas entravam aos montes. Muitas almas serão salvas”. A Igreja quase que entrava em delírio de tanta alegria com o novo pastor.

- Mas, o homem é solteiro! A bíblia nos diz que devemos fugir de toda a aparência do mal. Como ele vai vencer a tentação da saia? Questionou o diácono Celestino aos outros diáconos. O tempo passou. A jovem Talita tinha somente quatorze anos agora. A menina foi ao culto da mocidade em um sábado de verão quente. A igreja estava cheia de jovens de várias religiões. Fernando era um bom pastor e fazia um excelente trabalho com a mocidade da Igreja. Novos instrumentos foram comprados e organizada foi uma banda de Jovens. Era chamada de “Banda Esperança”. O culto começou às sete e meia em ponto. O templo estava cheio. Fernando faz a oração inicial e passa a palavra para o dirigente dos louvores – a jovem Marilucia. O culto foi muito fervoroso. Em determinados momentos alguns jovens entravam em quase transe. Diziam eles que sentiam o Espírito Santo muito perto. A jovem Talita naquela noite de sábado viu uma cobra gigante rodando o oitão da igreja. A menina tomou um susto e gritou, isso fez o culto parar.
- O que houve Talita?
- Não sei. Disse Talita com muito medo.

O grupo de mocidade pediu a igreja para orar por Talita. Toda a igreja se ergueu em oração pela jovem. Durante a oração Talita via Fernando enrolado pela cobra. E esta mordia sua cabeça causando-lhe a morte. Talita entende que Fernando seria ferido por um sentimento profundo, isso seria sua ruína. “O que posso fazer?”

- Vera eu vi Fernando sendo engolido por uma cobra enorme.
- Menina! Deixe dessas coisas! Somos renovados, mas, não acreditamos em qualquer visão. Não será que você estar apaixonada pelo novo pastor e não sabe? Parece que as moças todas estão loucas por ele. Jovem, inteligente, bonito!
- Não é isso Vera! O que eu vi eu vi! Mas, uma vez Talita não era acreditada. A moça estava se acostumando com as coisas. Ela orou a Deus e pediu uma orientação. “Deus, se eu devo avisar teu servo, então, me fala pela Palavra”. Na manhã do outro dia, Talita abriu a bíblia e não encontrou resposta alguma. Leu alguns versículos, mas, nada que a remetesse a visão. “Deus me diz, então, que desta vez foi minha imaginação”. Talita agradeceu a Deus pela Sua resposta. Sete meses se passaram da data da visão ao dia do escândalo do novo pastor. Uma moça jovem apareceu grávida. A menina resistiu um tempo, depois contou tudo à direção da Igreja. Celestino aproveitou o ensejo para afinar seu discurso: “Pastor solteiro não pode dar certo”.

O novo pastor era um homem velho casado com uma mulher de etnia africana. O casal tinha dois filhos. Ambos eram formados e viviam no Rio de janeiro. O casal de idoso gozava da sabedoria e da graça divina. Soboto soube da jovem vidente da Igreja.

- Minha filha, você vê com os olhos abertos ou fechados?
- Não faz diferença. Eu vejo de todo jeito.
- Desde quando isso acontece?
- Desde criança.
- Você fala em línguas?
- Não. Mas, tudo que vejo acontece.
- Quando você vê algo depois você sabe o que viu?
- Às vezes eu sei, às vezes não.
- Entendo. A conversa com Soboto muito ajudou a jovem Talita. Ela entendeu que ela era dotada de faculdades dadas por Deus desde o seu nascimento, e que o que ela chamava de sobrenatural era a manifestação natural da natureza. Talita tinha na época dezoito anos. Nunca mais ela tivera visões. Isso durou muito tempo. Talita passou no concurso do estado, foi trabalhar como servente de uma escola estadual. Seu marido, um rapaz iluminado, era ajudante de pedreiro. O moço, embora, muito trabalhador, nunca gostou das letras. Mas, era um crente fiel.

- Talita! Talita!
- Sim!
- Celestino vai levantar a mão contra o pastor. Ele deseja ser pastor em seu lugar.
- Como? Quem fala? A voz falou-lhe três vezes. A menina estava lavando o banheiro da escola. Com a força do transe ela caiu inconsciente acordando em casa. Seus familiares nada sabiam. O médico do posto disse que o ocorrido foi por causa da gravidez. Todo mundo se aquietou, menos Talita. “E agora?” “O que vou fazer?” Essa se tornou sua preocupação. As visões da moça eram agora acompanhadas de vozes. A tudo ela atribuía à força do Divino Espírito Santo. “Eu sei que Ele está em mim”.

Celestino venceu o pastor e o expulsou da igreja. Convenceu a Associação a colocá-lo como pastor. O diácono velho e tarimbado, finalmente, chegara ao cargo que tanto cobiçara. “A igreja do Evangelho Santo terá o maior ministério de sua história”. Os diáconos estavam do seu lado. Coisa que não acontecera com os outros pastores. Sempre eles foram oposição a qualquer um que subisse ao púlpito. Seu Sandoval perguntou a Celestino na primeira reunião de obreiros: “O que você fará com os místicos e renovados da Igreja?” “Eles sentirão o peso de minha mão”. Essa foi a resposta do diácono pastor.

Três meses passaram. A barriga de Talita chamava a atenção de todos.

- Minha filha louvado seja Deus por ti.
- É minha mãe. O Senhor tem nos abençoado muito. Deus abençoe Celestino nessa nova missão.

No culto de quarta feira. A igreja estava reunida para ouvir a pregação do presidente regional da Associação. O pastor Honorato. Este discorreu sobre a importância dos dízimos e das ofertas anuais de missões. “Meus irmãos, O Brasil é o celeiro do mundo, a pátria do evangelho!” Enquanto o homem pregava, Talita sentiu a presença de Deus, como ela dizia. Ela via Celestino visitando Honorato no Hospital. O pobre pregador de missões estava muito ferido. Ele estava na UTI. Depois Celestino anunciava a Igreja a morte do homem. Ele seria seu sucessor. Talita num ímpeto se levanta e diz a Honorato que não viajasse aquela noite para Salvador. A mensagem parou, a igreja ensurdeceu, e todo muito olhava para cara do outro.

- O sangue de Jesus tem poder! Gritou Celestino.
- Foi o Senhor mesmo quem me falou! Respondeu Talita.
- Você deve estar possessa, minha filha! Isso não se diz!
- Eu devo dizer a palavra do Senhor! Continuou Talita.
- Deve estar possessa mesmo! Alguns diáconos foram até Talita e chamaram os fiéis para uma oração de intercessão pela vidente. O povo gritava, alguns falavam em línguas. E toda a congregação entrou em estado de loucura coletiva. Com a emoção Talita passou mal sendo levada ao hospital. A eclampse foi fulminante. A criança morta teve de ser retirada as pressas; a mãe ficou sob observação no hospital. Era noite quando um velho negro entra na enfermaria onde Talita estava.

- Minha filha Deus vê pelos olhos do homem?
- Então o homem vê pelos olhos de Deus? Respondeu Talita inconsciente.
- Sim, é certo. Mas, nem tudo que Deus mostra; o homem quer ver.
- Sim, eu sei; eu vi.
- Põe teu barraco e ora com o povo, e pelo povo. A oração muito pode. Teus olhos verão a bondade de Zambi.

Talita voltou à consciência. A lembrança daquele rosto negro e sereno não saía de sua cabeça. Ela decidiu não mais perguntar nada a dona Vera, a chefe do grupo de oração. Separou um horário em sua humilde casa e começou um grupo de oração. No início era ela e o marido. Depois o povo foi chegando. Uns vinham doentes, outros sem orientação, outros viciados, e muitos com a vida atrapalhada. A oração e a vidência de Talita atenderam a todos. A cidade de Campos sabia da oração da casa de Talita. “Leve um quilo de alimento senão ela não te atende. É para os pobres, mulher!”
- Menina, eu tive lá para saber se Cledson me amava. Pois, a mulher não disse que ele estava com outra, mas, que ele gostava de mim.
- E foi mulher?
- Foi.
- Eu soube da mãe do finado Flávio, a pobre nunca se conformava com a partida do filho, pois a vidente num recebeu o espírito do finado! Diz o povo que ele esteve em uma colônia que fica aqui perto da terra.
- E foi comadre?
- Foi.
- Será mesmo?

Talita se tornou mulher de oração. Uma vidente desse mundo de Deus. Sempre um velho negro rondava sua casa. Muitas vezes ela sonhava com ele, sentado em um toco, fumando seu cachimbo. O cheiro de alfazema enche seus pensamentos. Deus veio na forma de um bicho – uma pomba para João Batista. Para Talita, Deus apareceu na forma de um escravo, um Preto Velho...



Tobias Barreto, 27 de janeiro de 2012. Roosevelt Vieira Leite