sábado, 24 de março de 2018

A SOMBRA

A SOMBRA
Por Roosevelt Vieira Leite

Esta pobre criatura faz as mesmas coisas todos os dias. Ela acorda na mesma hora. Faz tudo olhando para o mesmo relógio. É este o legado do passado; a ordem do tempo que ocorre no tempo. E isto nos mistura uns aos outros e enche o mundo de sombras. Sombras que passam, ou sombras paradas nas calçadas, ou nos abrigos debaixo das pontes, ou sombras sofisticadas, educadas, por vezes mimadas.
Terça feira passada estava o moço de Campos a olhar-se no espelho. O espelho refletia a exata forma de seu rosto. O despertador, na cabeceira da cama desarrumada havia dado sete horas da manhã. O moço sorri para si e diz adeus ao reflexo do vidro espelhado. O moço se foi, mas, sua sombra não desistiu de andar com ele.
Durante um certo tempo, ou por alguns dias, quem sabe meses, a sombra estava sempre ali. Esta era uma sombra tranquila – a verdadeira outra parte vazia, um vapor escuro, ou uma mancha negra que estava ali.
Quando o moço saltava, saltava sua sombra com toda alegria. Quando o moço sentava, a sombra dava um jeito para estar sempre por perto, era como se fosse um amigo vigia. O moço dizia que juraria por sua sombra, pois, ela era ele com certeza, e com toda a clareza do mundo podia-se ver que aquela era a sua sombra mesmo.
Contudo, infelizmente, um dia, a sombra fugiu. O moço não mais podia ver-se no espelho. O rapaz estava sem sua sombra. Triste, o moço foi peregrinar pelas ruas de Campos para ver se a encontrava. Mas foi a sombra que o encontrou. O rapaz, primeiro deu dois pulinhos para frente. A sombra fez o mesmo. Depois, o moço sem sombra, deu uma estrelinha no chão. A sombra fez o mesmo. O moço se animou e consigo pensou: “Finalmente, encontrei minha amiga”. Animado, o moço resolveu testar mais uma vez, e desta feita, ele faria um golpe de Karatê. A sombra fez o mesmo. Então, entusiasmado, o homem passou a dar socos e golpes em sua sombra como se estivesse em combate. Mas, desta vez, a sombra estava inerte. Nada de golpes, ou murros, ou chutes. Ela era somente um riscado, uma silhueta parada enquanto os minutos corriam e o suor do moço de Campos salpicava o assoalho.
O moço decidiu fazer uma outra coisa para chamar a atenção da sombra. O rapaz xingou sua mãe. A sombra nem se mexeu. Xingou seu pai. Ela continuou inerte. O rapaz a chamou de todos os nomes possíveis, a sombra estava lá, parada, sempre parada. O rapaz ficou muito triste e tentou tocar suavemente sua silhueta.
O toque do rapaz fez a sombra reagir. A sombra ora era uma mulher, ora era um homem, ou uma criança, ou um velho. A sombra podia ser um mundo de gente, pois, ela tinha um mar de faces. Uns sorriam, outros choravam, outros apenas estavam ali.
Agora, o moço via sua sombra em qualquer lugar. No mundo não havia lugar novo para a sombra. Com o tempo ela ficou cada vez mais perto dele. A sombra o tomou para si. Um dia, fomos visita-lo. Sua casa era apenas um buraco escuro no meio do nada...