sábado, 27 de janeiro de 2018

AQUI O TEMPO NÃO PASSA

“ AQUI, O TEMPO NÃO PASSA ”
Por Roosevelt Vieira Leite

Max, ou Maximiliano nasceu em Campos, estudou em Campos, e depois, aos 40 anos se candidatou a vereador e foi eleito com 3.777 votos. Não foi grande coisa não, mas, uma grande façanha foi seu projeto para o desenvolvimento e saúde da juventude. Maximiliano e sua mulher Gorete perceberam que a cidade havia sido infectada com os vírus do narcótico, da indolência, da obesidade. Max era um modelo de servidor público. Frequentava, assiduamente, a Câmara; fiscalizava com idoneidade as contas do município; acompanhava a agenda pública, e quando tinha tempo, visitava seus eleitores para conhecer melhor suas necessidades. Ele era um perfeito cidadão em ação. O projeto 0777/96 de autoria do mestre Rosenthal, entendia que a melhor forma de envolver a mocidade na cidadania era a atividade esportiva e cultural, de preferência, as duas simultaneamente, e em um mesmo espaço. O jovem durante o ano de estudo estudaria a arte, escolheria uma, participaria de oficinas, e eventos artísticos. A culminância seria nos “Jogos Cívicos da Semana da Pátria, e no Festival de Arte de Campos, que ocorre na semana comemorativa de seu grande poeta “Anastácio”. Por três sessões na Câmara Municipal de Campos, Maximiliano, filho de Humberto Souza, nascido no povoado Água Fria, bradou com os pulmões em alta potência: “Campos precisa de Esporte e Arte para a juventude”. O Vereador Tico do papagaio refutou a tese do amigo desta forma: “Campos precisa de Jesus. A salvação é pela fé; é só se arrepender”. A vereadora Carla Nogueira, a Carlinha de Susete, manifestou sua opinião modesta: “Nossos bichinhos estão morrendo de sede e vossa excelência nos vem falar de teatro, cinema, música, pintura e muita bola, ah, tenha paciência! ” O vereador “Ventão” defendeu até certo ponto sua colega. No entanto, colocou assim sua mente sobre a matéria: “Esporte é bom, é; arte é bom, também, é, como é. Mas, as finanças estão curtas, e tem a lei de controle de gastos, entenderam? ” Cosminha do peixe, eleita pelas cotas partidárias, não concordou com ninguém, exceto, com o projeto de Maximiliano, mas, com uma emenda: “O pessoal do isopor e barracas deve ter seu lugar garantido. A cerveja em lata poderá ser vendida para de maiores”. Já, Padre Damião, poeta e vereador, adorou o projeto, todavia, segundo ele, o projeto peca em um quesito, Deus. Para Damião, os eventos deveriam iniciar com a oração do Pai Nosso, depois Ave Maria e Santa Maria concluindo com a oração do Santo Anjo. O famoso vereador do Povoado Lagoa do Sapo, Teles, um exímio tocador de acordeom, concordou e discordou desta forma: “Vossas excelências sabem que o esporte e a arte são muito bons; recordo-me dos tempos idos de meninice quando eu jogava bola na beira do rio. A religião, também é muito boa. E, os bichos, coitados, estão morrendo, mesmo, gente. A salvação é muito importe; o povo pobre precisa vender mais. Eu acho assim, a juventude precisa mesmo, porém, que as prioridades prevaleçam”. Os 22 vereadores deram suas opiniões. No final da sessão, o presidente da mesa, o servidor mais antigo da casa e do partido da situação, concluiu que não havia um sentido comum. A votação seria deixada para outra sessão. “Que nossa Senhora abençoe a todos”.
Maximiliano tentou todos os meios para levar seu projeto adiante. “Vou reunir as principais personalidades da cidade para fazer um documento”. O pastor não foi porque Max era comunista: “Isto é coisa de comunista; de hoje, que eles fazem de tudo pelo poder. Vão trabalhar, rapazes! ” O padre, também se recusou: “O partido deste rapaz só tem maconheiro, e gente preguiçosa”. Os professores estavam divididos. Uns temiam represálias, outros diziam consigo mesmo: “A gente ganha mal, e ainda tem de trabalhar mais”. Os diretores de escola alegaram que deveriam aguardar a manifestação do secretário. Os comerciantes disseram que se não atrapalhar os negócios estava tudo bem. No final do primeiro ano, o projeto de Max havia sido apresentado em mais 7 sessões. Nada tinha sido resolvido, se quer havia sido o projeto votado. Gorete, a companheira de Max foi consultar o Ifá sobre a questão. Mestre Flávio do Catú disse assim: “Tem macumba feita contra seu marido. É coisa de gente grande”. Max aceitou o convite de Gorete sua mulher e foi para o “Templo da Fé”. O vereador iluminado de Campos foi posto na ‘corrente dos sete homens de Deus’, em seguida, foi para o círculo dos profetas. Uma profecia foi dada ao político dizendo assim: “Sua macumba sairá ‘no corredor dos vinte e um’ onde há sal e arruda no chão”. Para participar o pobre homem teve que vender seu sítio perto do Gantoi. Max deu o dinheiro maldito aos homens benditos e foi em busca da vitória do povo. Nada feito, ninguém na Câmara queria saber de seu projeto. Por último, Max tentou a ‘corrente dos setenta’ em Açai; o vereador deu seu tudo. Limpou tudo que tinha e entregou ao sagrado. Para falar a verdade, seus colegas de partido ficaram zangados com ele. “Eu vou, novamente, a Açai, quem sabe o Governador me escute”. Max tentou agendar uma entrevista com vossa excelência; o rapaz havia esquecido que ele era da UDNTPC, mas, o Governo estadual era da coligação UDNTT, UDNTPP, UDNPCC, e UDNPVM. Max, nem viu vossa excelência. Por fim, o rapaz voltou para sua terra sem nada na mão. Gorete o consolou por quarenta dias em seus seios juvenis. No final dos mesmos, Max teve uma ideia, a última cartada de um político honesto do Brasil – a greve de fome. Rosenthal, o mestre do Jabiberibe, povoado de Olímpia, foi ter com seu pupilo. Rosenthal lembrou seu aluno de que a abstinência de líquido e comida faria mal ao seu aparelho biológico. Rosenthal, ainda, lembrou o vereador das causas primeiras da pobreza do sertão de Campos. “Meu filho quando o gado chegou à sesmaria de Belchior, a terra dos Kiriris ou Kariris foi enegrecida com a maldade do ocidente”. Max não ouviu seu mestre e foi adiante com a greve de fome. Na primeira semana, as rádios noticiavam que o vereador estava confinado em casa com fome por causa de suas ideias políticas. As rádios, também, informaram que a reforma do estádio de Futebol foi aprovada por unanimidade. Na segunda semana, as notícias eram que o vereador delirava devido a uma febre no encéfalo, ao mesmo tempo, as rádios comunicavam que a Polícia Militar estava dando aulas de ginástica na avenida Freitas de Gois. Na terceira semana, ninguém dizia nada. Na metade da mesma, o folego de Max estava muito fraco; o rapaz agonizava no leito de morte como Anastácio, o poeta de Campos. Gorete e suas amigas da igreja rezavam, fervorosamente, para Max mudar de ideia a tempo, e comer algo. “Meu amor coma, deixe essa guerra pra lá”. Max calado estava, calado ficou. Quando Max dava seu último suspiro lhe apareceu, em seu quarto de sofrimento, a figura de um negro alto com um tridente na mão direita. O homem tinha uma chave na forma de um gancho cruzado por uma linha pequena bem no meio de sua cabeça raspada. O moço da África dava gaitadas altas enquanto girava no sentido anti-horário. Max foi velado na Câmara Municipal com todas as honras. Haviam autoridades municipais e estaduais como o representante de vossa excelência o Governador do Estado. O mesmo disse assim: “Campos perdeu um homem de caráter”. O vice - presidente da Câmara se expressou desta maneira: “Campos está de luto com a morte de Max”. O prefeito, em lágrimas, colocou seus sentimentos como segue: “Um moço de futuro, morrer tão prematuramente, foi uma grande perda para a nossa terra”. Cada um disse o que estava em seu coração. Em seguida, o cortejo fúnebre sai da Câmara para a avenida principal. O caixão foi puxado por parentes e amigos. O padre da cidade, ao lado da família, acompanhava o enterro na frente da procissão. Atrás dos familiares, políticos e autoridades formavam o pelotão principal; por último, o povo que acompanhava o funeral com muita contrição e cânticos - Ave Maria, Ave Maria, Ave, Ave ...
Próximo a rótula, perto do restaurante mais chique da cidade, o caixão se estremece com força. A vibração foi tão forte que seus condutores vibraram com a madeira. O busto do grande poeta Anastácio vira-se para a esquerda. Mais uma vez o caixão mexe, e o poeta vira-se para a direita. O povo apavorado entra em pânico. Tomezinho, vendedor de coco, grita da última linha do cortejo: “Isto é Deus! ” O barulho foi intenso, e o tumulto grande. O carro de som que tocava as Ave Marias pede ao povo que se aquiete, pois, o calor faz estas coisas. O cortejo segue avenida abaixo na direção do cemitério Parque da Almas. Agora, o caixão passa defronte à Câmara de onde tinha saído. Um som como de uma explosão de ar comprimido ou como a de um pneu estourado foi ouvido. A comitiva política estava no chão. De seus ventres saíam carne moída e macarrão enroladinho. Moedas de ouro surgiram misteriosas nos olhos dos servidores do povo; suas línguas se tornaram notas promissórias penduradas de suas bocas. O macarrão fluía de seus interiores como a água da torneira, e com ele, molho de tomate com milho cozido. O povo atrás, mugia como touro, vaca, ou boi. Na verdade, tinham alguns que berravam como cabras e carneiros. Uma mocinha bonitinha havia se transformado numa galinha guiné; a pobrezinha ciscava no asfalto quente da avenida. O vapor, o mormaço do clima quente e úmido formaram nuvens na forma de tijolos de fezes humanas. Os milheiros de blocos de fezes úmidas encheram os céus de Campos. Dona Maria Gregório que vende água sanitária caseira percebeu tudo deste jeito: “Parece que em Campos vai chover merda; chega gente, corre que a coisa vai ficar feia”. Mas, o povo contrito mal olhava para cima. O caixão chega ao cemitério e o cortejo também. O povo, finalmente se recompôs. Nem todos puderam ver ao sepultamento. Uma multidão estava em frente do cemitério. O céu ficou mais escuro ainda, e as nuvens negras mais carregadas com as palavras finais do Bispo Antenor: “Gorete, dona Netinha, Seu Humberto, Deus o tenha num bom lugar, seu Migué, dona Firmina e seu Gerdal, todos que formam a família do nosso tão popular Max, e as autoridades, aqui, presentes ou representadas. Há pessoas que vem ao mundo com uma missão. A missão de morrer pelo pobre. Assim foi Max, e fique o seu legado de honestidade e amor pela causa pública ...”. O homem de Deus continuou sua fala com gosto. O povo do lado de fora queria dar seu último adeus a aquele que morreu por eles. A gritaria voltou, a coisa era grande, e feia. Assim foi o tumulto e o empurra - empurra. Seu Gervásio, e o rapaz Tonico, moradores de Alagoinhas, que estavam de passagem pelos sertões, incitam o povo a derribar a grade do cemitério: “Quando o papa foi para Salvador não deu outra; foi um pisa-pisa danado de se ver”. Com isto dito, o povo marchou contra o ferro da grade e o arrancou como se fosse de papel. O céu estalou com fúria; o povo se espalhou pelas sepulturas. Um pingo de água caiu, depois outro, e mais outro, e a chuva, finalmente, ficou forte. As pessoas se retiram do local banhadas pôr fezes de toda qualidade e cor. Quando Campos se aquietou, quando o povo foi para casa, quando as portas do comercio foram fechadas, um velho senta sobre uma sepultura de mármore negro defronte a de Max. Era um senhor branco, rosado, de cabelos alvos como a neve. O velho olha para a lápide da sepultura de Max e ler: “Aqui jaz um bom campense”. Depois, o velho sussurra suas sagradas palavras: “Aqui, o tempo não passa ...”, e em seguida, dá um suspiro profundo ...