sexta-feira, 27 de outubro de 2017

DESCULPE-ME, MAS, NÃO DEU DESTA VEZ!



Conheci um homem que se orgulhava de seus amigos.
Dizia o mesmo, alegremente, de sua vida amigueira;
De suas amizades verdadeiras – “a amizade é tudo”
O homem não entendia que na terra nada é definitivo. Dizem que tudo vira pó.
Está no pó a prova do que dizemos ou ouvimos, ou vemos.
O pó é a coisa mais sincera entre os homens.
Nossos amigos em nada diferem do pó. Cada um deles é poeira que vira poeira.
Meus amigos se escondem quando é preciso.
E eu faço a mesma coisa quando eu necessito.
Se tu és um amigo ali é porque eu sou um amigo aqui.
Cada um em seu lugar e a amizade no meio.
O melhor amigo; aquele que parece um irmão, aquele que diz o que não quero escutar é joia rara; é peça de museu, é um ente histórico; é um carro velho na contramão.
Ontem, vi o melhor amigo no centro da cidade.
Ele fazia compras; paquerava as moças; lutava por seus direitos; mas, quando em pé, defronte a prefeitura, o rapaz se calou.
O melhor amigo foi trabalhar no município; aprendeu a lição da repartição.
Ele fez amizade com todos. Dizem que nem o gato escapou.
- Estamos à disposição.
- Ele é tão bom!
- Ela é tão boa!
Nós somos um manancial de bondade;
Nós somos a falta de verdade;
Nós somos a afirmação de toda contradição. O meu espelho reflete uma multidão de faces e eu não conheço nenhuma; eu nego todas elas.
Existe uma face minha que ninguém resiste.
Existe uma face tua que também é minha que ninguém contesta.
Não temos nada escrito na testa!
Não se sabe nada do coração!
“As aparências, ó aparências!”
Nisto eu encontrei muita ciência.
O melhor amigo passou por aqui.
Deixou um bilhete; era um pedido de desculpas:
“Desculpe-me, mas, não deu desta vez!”





CADAVERES

CADAVERES

Hoje encontrei você. O horizonte estava perdido entre teus olhos. A saudade, essa cobra danada, ardia no meu peito pela moça que outrora era senhora deste coração.
Nem percebi se havia luzes na casa, e em silêncio fui ao teu encontro nas cinzas do passado.
Pois, hoje, no agora, no calor da hora; estava a menina deitada sobre seus excrementos; sua pele era pus e seu fígado era tormento.
Seus olhos eram duas azeitonas banhadas por lagrimas de conserva.
Para minha surpresa, quando eu vinha na estrada, vi o rosto de um mancebo que chorou por ti. O rapaz parecia um fugitivo apressado a descer a serra.
Ah, que triste lida de dois corações que fizeram confissões!
Ah, que saudades de tua boca mesmo tendo sido beijada por um estranho!
Ela era uma moça jovem de corpo bem talhado e fala suave; a menina que me roubou o fôlego e me levou os sonhos jazia morta naquela sala escura.
Pus-me a refletir sobre o tempo de carinho, as horas de afago, os dias e noites de felicidades, e, a peleja da falência de uma doença sem cura.
- Você não é mais o mesmo!
- Como meu amor?
- Isso que ouviste! Por favor, não comece com esse tom de pureza!
É difícil entender o coração das pessoas. É difícil antever o destino das mesmas.
Ela sumiu como sombra na noite logo depois do açoite que me deu.
Ela não deixou rastro, nem fragmentos de nada seu. Seu rumo foi sinistro; a moça, simplesmente, se foi, se escafedeu. Mas não de mim; quem sabe de si. Parece que minha pessoa para ela era como uma vela sem o mastro.
Seu cadáver inerte e fétido estava ali, bem diante destes olhos atormentados por tudo que não pode ver, ou, pelo que viu, malgrado o persistente engano da miopia.
- É só um cadáver! Todo cadáver tem uma história; tem uma prosa, e um vazio de palavras, e a ausência do ser. Todo cadáver nos lembra que somos iguais; veja, eu não sou melhor que você. Todo cadáver é quieto, manso, sossegado que nem os retratos da parede. Todo cadáver deve ser bem tratado, pois, é a última pose no mundo, entendeu? Eu entendi!
Ela estava lá e eu também. Nós estávamos lá tão juntos como sempre apesar das diferenças ou crenças.
Passamos a vida inteira em litígio, mas, naquela hora, naquela sala a demanda se cala.
O cadáver da moça necrosou, o meu também.
Os vermes nos devoraram até os ossos.
A poeira foi soprada pelo vento da rua que entrava pelas venezianas das janelas e frechas das portas.
Mas, se eu tivesse sido melhor!
Mas, se eu não tivesse dito tanta asneira!
Mas, se eu não tivesse namorado fora, e não tivesse feito tanta besteira!
Mas, se ela tivesse me perdoado!
Mas, se ela não tivesse ido embora!
Mas, e, mas; e, é, sempre, mas.
E o tempo passou...