sexta-feira, 24 de agosto de 2018

DIZER...

Dizer...
Como dizer o que intento se o busco por um momento com as mãos fracas que nem sustentam as miligramas de um cabelo caído acolá, ali, em algum lugar. Como dizer certo se a certeza é como uma mocinha tomando banho de sol. A velhice, a decrepitude, a diferença daquilo e da crença é que me diz com mais ou menos verdade alguma coisa digna de atenção.
Às vezes, as mãos lânguidas são tão fortes quanto a correnteza de um rio, mas, tem momentos, que o dizer é sofrimento, é uma falta evidente de sentido, é somente dor, ou um calado gemido.
Como dizer o que intento se o busco por um momento e não encontro você em lugar algum. Você está aqui, mas não te vejo, meus olhos cegos enxergam apenas o que eu quero ver. Como te ver se não há o que dizer pra você, somos, por vezes, um monólogo discreto. Somos um sem-palavras, apenas um silencioso egoísta que perdeu a vista.
Ontem e hoje, as pessoas se abraçaram, e o mundo rodou e todos foram com ele. Não se sabe onde, nem se sabe como, nem se sabe nada, apenas dizemos porque dizemos, nos encontramos sempre dizendo de tudo.
No sertão o burro fala, e a égua responde ou a ordem inversa sem medo, com calma ou, até, com pressa. A natureza imaginou no encéfalo nordestino e de repente, o massapê encontrou tino. Depois disso, o bichinhos pularam pelos campos.
Essa criatura berrou nos pastos e declamou uma poesia. Ali estava você meu amor. Ali, meu estômago se aquietou; toda acidez se amiudou e o silêncio ganhou forma de texto. As palavras foram mais que semântica. Na verdade, elas se tornaram nervos, e carne, e suor, e lágrima, e gozo, e você.
O que dizer do fruto que cai, da ponte que também cai, do avião que se perdeu no mar, ou de ti Maria Almeida, amiga eterna, ou de ti Raimundo, amigo eterno, ou do ônibus que passou, do guarda-chuva que eu não trouxe, ou do beijo que eu quis te dar e tive vergonha?
Às vezes, podemos dizer tudo. Outras vezes, nada, ou quase nada, ou a metade de alguma coisa. As pessoas ficam bem aquém do que as palavras podem contar. As pessoas são feitas de palavras. Fora isso, a fisiologia das tripas explica os fatos. Não há dúvidas, eu e você somos sintaxe e morfologia. Somos dicionários, universitários, e meninos e meninas de papel.
Mas, eu digo. Tudo que eu digo alguém disse antes de mim e está dizendo agora mesmo em algum lugar. Portanto, não há nada novo no dizer ou no que digo. A novidade não é a idade, nem a oralidade, nem a identidade, mas, o sentido que pede abrigo nas cavernas d’alma que nos acalma ou nos assusta, ou atormenta, ou acalenta, ou mata.
Mas, eu digo, pois sou um viciado em dizer mesmo sem nada saber sobre quase nada. Nestes sertões, quando a jurema floresce a caatinga agradece a fragrância que perfuma o ar quente. Tudo diz, tudo estala. Até o chão rachado, o barro duro, as pedras da beira da estrada, tudo fala, tudo é gente. Mas, eu digo que o dizer afirma o ser e o nega num segundo momento. Mas, eu digo que o dizer é uma mentira, uma verdade, uma possibilidade, um jogo, um sopro, um suspiro. Mas, eu digo que o dizer afirma o tu, você. E tanto um quanto o outro destilam o mesmo mel. Mas como dizer o que intento se não o sei dizer? Mas, como dizer se não me fio no que falo ou ouço? Não sei, eu digo.

sábado, 4 de agosto de 2018

MOÇA BONITA

MOÇA BONITA.

Sentir o mundo é coisa de gente. É conversa da gente. É mente, é coração; ás vezes, uma mera trapaça de um espertinho que, simplesmente, passa por aqui como todo mundo.
Sentir o mundo é olhar para dentro de si e vermos que do lado de cá não tem janelas, nem portas, nem brechas. É a verdade das tripas – nossas amigas ou inimigas, tuas velhas companheiras de antigas cantigas e intrigas.
A moldura do retrato do mundo foi feita pelo artesão mais velho da terra. O mundo este ente criado, este retrato batido, esta coisa de homem, este palco sagrado de atores mundanos nunca é o mesmo depois que o sol nasce. Tem um novo mundo a cada dia não importa nossa agonia, pois a imaginação da cabeça que esmaga o crânio de quem pensa é a mesma que concebe uma formula de salvação. Então, sentir o mundo é sentir o teu perfume. É, também, beijar tua boca, e ainda ouvir tua voz roca de tanto dar aulas, ou ver teu olho caolho ao amanhecer.
Sentir o mundo é degustar a boa comida, é ter certeza que existe uma despedida – esta cruel inimiga, é saber viver a vida seja ela boa ou sofrida.
Dizem que o mundo está ali. Dizem, também, que você está aqui. Nós e o mundo não temos lugar. Aqui, neste chão, terra de Adão andamos de mãos suadas. Este é o torrão cheio de encruzilhadas, de sertões e veredas, de moças alegres e tristes raparigas. Nossa herança é uma eterna caminhada, pois, cá não há lugar, ou lar, ou paradas.
E eu e tu, e tu e eu, e essa humanidade perdida, ou salva, ou redimida, amaldiçoada, ou abençoada; esta face alegre ou decepcionada, ou aquela senhora de nariz arrebitado a reclamar do negrinho no assento ao lado, ou a madre cheia de virtudes a derramar suas lágrimas sobre seu rosário somos a cara do mundo.
Sentir o mundo é ouvir o vento; seu assobio quieto, seu vendaval insatisfeito. Não é o vento que sopra o mundo, nem o mundo sopra o vento, os dois dançam nos quatro cantos da terra as melodias das noites, manhãs, madrugadas; das horas alegres, dos dias de porfias, dos olhos arregalados e dentes cerrados, no crepúsculo, no fim da tarde, de céu cor de gema com suco de laranja.
Sentir o mundo é sentir o ar que traz teu cheiro, teu carinho companheiro, teu sorriso faceiro, tua mão amiga, teu afeto verdadeiro.
Mas, na calçada do vizinho tem um buraco, e o buraco é fundo, é do tamanho do mundo. Nele, por vezes, sucumbem os sonhos meus e teus. Nele estamos unidos de mãos dadas, nele se cruzam destinos com ou sem tinos, ou encruzilhadas velhas com as novas, pois toda calçada tem provas, tem testemunha, tem pedra, ou calçada simplesmente.
Sentir o mundo é olhar-se no espelho e mirar a eternidade, a essência de algo sem delimitada identidade. Sentir o mundo é ver no vidro espelhado tantas faces possíveis num fração de segundo. É um delírio, um sonho conjunto de muitos, uma realidade tão dura quanto pedra, um vapor que aquece o tempo e me traz você moça bonita que encanta meu canto enquanto também passo...