domingo, 24 de dezembro de 2017

O professor

O PROFESSOR

Acordei esta manhã pensando no que meu amigo Teófilo me disse no encontro de professores no Bar de Zé Ramos, aqui, em Campos na última sexta feira. Todos foram unânimes em dizer que, atualmente, o melhor país das américas para alguém emigrar é Vera Cruz, aqui, pertinho. Meus colegas de trabalho foram veementes em dizer: “Ainda não é primeiro mundo, mas, é um país emergente e cheio de planos para o futuro”. Lembro-me que eu disse assim: “Então, Vera Cruz é um país do futuro”. Meus amigos porém, me alertaram quanto a alguns problemas que a sociedade ainda não encontrou uma solução. Em Vera Cruz, você ganha pouco, mas, a vida é alegre. Dizem que é o povo mais feliz do mundo. Marcos, docente de matemática frisou muito bem frisado: “Em Vera Cruz o povo é alegre, hospitaleiro. O povo de Vera Cruz é muito pacífico”. Devo confessar que minha pessoa encheu os olhos com tudo isso. “Um povo alegre”. Logo, me preparei para a não muito curta viajem. São 300 quilômetros de jornada num sertão imenso que se perde no horizonte azul. Peguei o ônibus na Rodoviária de Campos rumo a Vera Cruz as duas da manhã. A estrada estava clara, a lua no céu sergipano de Campos era um disco de luz cheia de vaidade. Um senhor, natural de Vera Cruz estava no transporte dos anos 90. Ele a conversar com o trocador desabafou o que seus 80 anos de vida guardavam no fundo do baú. “Vivi, sofri, sorri, e muito mais!” Mas, para Vera Cruz não volto mais”. O velho ia buscar as coisas em Vera Cruz para traze-las para Campos. “Aqui, em Campos”, disse o velho ao romper a fronteira com a Bahia: “Tudo é mais descente”. Fiquei a pensar nas palavras do velho e me aproximei do mesmo durante a viagem. “Amigo, com licença, desculpe me meter assim em sua conversa, mas é verdade que o que se fala de Vera Cruz é tudo inverdades?” “Opa, como vai amigo!” “Sim, o que ocorre em Vera Cruz é que as pessoas assistem demais televisão”. “Como assim?” Em vera cruz os governos concedem concessões de mídias para que estas sirvam aos interesses de seus governantes. Em Vera Cruz tudo é só mídia”. “Pois”. Calei me por um momento, depois, resolvi refletir durante a viagem sobre as duas histórias. O ônibus finalmente chegou a Vera Cruz. A rodoviária ficava a uns vinte minutos de onde nos encontrávamos. Abri a janela e deixei o vento entrar, aproveitei para ver a paisagem. Defronte as casas na beira da estrada havia sempre uma bola. Ela tinha três cores: Branco, a cor considerada divina; a amarela, considerada inocente e valente, e a negra, considerada maldita, negligente e preguiçosa. As bolas tinhas estas cores e cada família chutava sua bola 7 vezes por dia. O habitante de Vera Cruz que não soubesse chutar a bola colorida era considerado uma pessoa sem estudo, sem educação e sem princípios morais. “Meu amigo, aqui, chutar uma bola é questão nacional”. Disse me o velho. Continuei a mirar a paisagem e desta feita vi um grupo de pessoas que pareciam comemorar, empolgadamente, alguma coisa. Ocupei o velho ancião mais uma vez com minha curiosidade: “Comemoram o que?” O velho me disse que não comemoravam nada. Era porque em Vera Cruz tudo é motivo de festa. Insisti com o velho. “Porque você diz isto?” “Espia!” Virei para a janela mais uma vez e passavam carros alegóricos multicoloridos. Os carros subiam e desciam as avenidas fazendo alegorias e neles as pessoas contavam uma história. Perguntei ao velho de novo: “Cidadão de Vera Cruz, por favor, me explique isto, pois, eu não entendo”. O velho, então virou – se na minha direção e suspirou. O seu suspiro liberou palavras pelo seu nariz afilado como os homens da Europa. E as palavras se juntaram umas às outras formando um texto, mas, minha pessoa não conseguiu lê-lo. Angustiei-me muito por não ler o texto, mais uma vez ocupei o coitado do velho. “Moço!” “Moço!” O homem não me respondia. As demais pessoas do carro também, e até, o motorista e o trocador estavam como o velho: Eram todos bonecos de borracha sem boca e olhos. Suas mãos algemadas com algemas velhas e enferrujadas. Levantei-me de meu assento, finalmente. Dirigi-me até o homem e dele fui ao motorista. Todos estavam sem vida, mas, não mortos. Era como se um coma tivesse se alojado. Ora ou outra eu ouvia um sussurro de alguém como que sonhasse: “Em quinze dias tudo estará resolvido”. Abri a porta do veículo e dirige-me ao outro lado da rua. Era um grupo de pessoas que contavam uma história sobre seu mundo e passado. Eles repetiam a mesma coisa uns aos outros e depois perguntam: “Acreditou?” A cena se repetia sucessivas vezes até a pessoa dizer: “Sim”. Cada um tinha sua bola tricolor e segundo a necessidade eles batiam uma pelada no final da tarde. Resolvi andar pelo novo e promissor país. Andei, andei, até que lembrei-me de pegar minhas coisas que haviam ficado no sinistro veículo. Ao retornar para o carro ele não mais estava lá...