sexta-feira, 30 de março de 2018

O DESABAFO DO POETA NORDESTINO

DESABAFO do poeta nordestino

Meus irmãos estão nas ruas. Soldados armados defendem a propriedade privada. A coisa pública está quebrada; parece que rasgaram dos corações a esperança do direito do povo – um dever de Estado, a obrigação da União, a condição única de democracia.
Meus irmãos falam a minha língua, mas, ninguém se entende, embora, vivamos na mesma freguesia. Eles nasceram nos latifúndios dos canaviais, ou nos cafezais, ou nos milharais, ou no calor do fogo do tacho dos engenhos engenhosos dos coronéis, ou de seus filhos e filhas.
O que é mais certo, aqui, é tua herança nobre, a cor de tua pele, ou o teu sobrenome. Esta é uma terra feita de terra, mas, que come o papel como uma traça gorda. O papel da certidão, ou da identidade, ou o papel que é só um papel, ou um jeito, ou um trejeito brasileiro – aquele papel que pega fogo nas licitações públicas inspiradas nas coisas privadas – um título sem nome.
O povo está em casa. O povo não sabe o sentido povo. Ele é uma coletividade individualista. O povo nasceu na mente do singular, do individual, do egoísmo plasmado nas políticas públicas que se transformam em merda escorrida nas vias congestionadas de eleitores. O povo em casa é cavalo piado, é vaca gorda, um touro que é carne de abate.
O povo não está nas ruas, nem as ruas conhecem o povo. O povo, na verdade, existe aqui e ali, principalmente, quando se derrama verbas em malas pretas. O povo é um discurso antigo, um pretexto eleitoral. Um ser enigmático sem existência real até que acorde.
Nossa terra é oca vazia. Ela é como a barriga de milhares de cidadãos. E nossa nação é uma invenção que garante o lucro do latifúndio intocável – o verdadeiro dogma de nossa religião nacional. Então, este país bem convertido caminha rumo ao seu destino – servir de mata de pau-brasil, ou tornar-se em um grande clube de futebol.
Meus irmãos estão nas ruas. Suas armas bem limpas prometem a segurança que nunca veio, pois, em terra de fome, em terra de gente gemendo não tem remendo que dure. A desgraça é uma situação federal. Na verdade, a mãe desgraça que te pariu federalizou a sina de todos – o engano chamado Brasil.