sexta-feira, 25 de novembro de 2016

A ESCOLA NÃO É UM ESPAÇO NEUTRO.

O presente ensaio foi inspirado no artigo “Althusser: A escola como aparelho ideológico de estado” de Luciano Lempek Linhares (Mestrando pela PUC-PR), Peri Mesquita (Mestrado pela PUC-PR), e Laertes L. de Souza (Sem referências de títulos). Esse trabalho faz parte de nossas pesquisas sobre Educação. Temos tomado o procedimento de fazer pesquisas bibliográficas sobre diversos olhares para a Educação. O texto dos referidos autores encontra-se a disposição dos leitores no seguinte endereço eletrônico: www.pucpr.br/eventos/educere/educere2007/…/CI-204-05.pdf.

Para entendermos melhor o que Althusser pensa da Escola é necessário primeiro entender as duas teses fundamentais de seu trabalho: A ideologia e o Estado. Pois, sabendo o que ele pensa sobre esses dois temas, o nosso olhar sobre a escola e a educação pode se tornar mais nítido.

Para Althusser, a ideologia presta um serviço de fundamental importância para a burguesia dentro do sistema capitalista; é por meio dela que a burguesia consegue manter o seu status de classe dominante. Ela está presente na formação das classes sociais, na perpetuação das condições de reprodução, nos aparelhos ideológicos estatais e privados, e com muito mais força, nas escolas.

Para o pensador francês, a ideologia é o sistema das ideias e das representações que domina o espírito de um homem ou de um grupo social. São ideias falsas a respeito de si e da realidade. A ideologia promove a organização das relações objetivas em função de suas representações. Esses produtos do cérebro humano crescem ao ponto de dominar o homem completamente, assim, nos tornamos criações de nossas próprias criações ou falsas representações da realidade.

Althusser nos apresenta o conceito de ideologia usando duas teses: a imaginária e a material. A primeira refere-se à ideologia enquanto representação imaginária dos indivíduos com as suas condições reais de existência. São ideias de mundo, na maioria das vezes, fictícias, sejam religiosas, morais, jurídicas ou políticas, pois, não correspondem à realidade, à verdade. Assim toda ideologia representa, na sua deformação imaginária necessária, não as relações de produção existentes e as que dela se originam, mas, a relação imaginária, onírica como diria Freud, dos indivíduos com as relações de produção e com as relações que delas derivam. Na ideologia, não é a realidade das relações que é apresentada, mas, as relações imaginárias dos indivíduos com as relações reais em que vivem. É por essa razão que um indivíduo é capaz de dar sua vida em uma guerra para defender a ‘nação’ sem antes ponderar sobre os reais motivos do conflito, ou outro indivíduo entrar em depressão porque quebrou algum preceito moral de sua religião. Alguns são tão presos e fanatizados por suas ideias que são capazes de morrer ou matar por elas.

A segunda tese de Althusser diz respeito à materialidade da ideologia. Segundo ele, a ideologia tem também existência material. Ela existe em diferentes formas, todas enraizadas, em última instância, na matéria, pois, ela está inculcada; faz parte da mente social do sujeito. Assim, a ideologia não é somente um sistema de falsas ideias que atuam somente na imaginação, na compreensão da realidade, ou na representação do mundo. Ela tem existência material, e é nessa existência material que Althusser enfoca seu estudo. Essas ideias são, portanto, um conjunto de práticas materiais importantes para à reprodução das relações de produção, pois, elas representam os interesses materiais de uma determinada classe – a burguesia capitalista.

Para o pensador Louis Althusser, as ideologias falam de atos. Atos inseridos em práticas. Essas práticas são reguladas por rituais a que elas se relacionam no seio da realidade material de um aparelho ideológico, mesmo que se trate de algo aparentemente pequeno e insignificante como uma missa em uma capela pouco frequentada, uma partida de futebol, um jogo de xadrez, um dia de aula na escola, ou um encontro de membros de um partido político. Assim, meu amigo Souza, digo sem medo de errar, as ideologias inspiram comportamento – a ação concreta, portanto, a ideologia tem uma expressão material no mundo. Como muito bem colocam os autores do artigo em apreço no momento:

“Althusser demonstra que a ideologia não se reduz a simples imposição de ideias, ela se efetiva em práticas sociais inscritas em instituições concretas, reguladas por rituais no seio dos aparelhos ideológicos do Estado”.

O sujeito da ação e do discurso para Althusser é constituído de ideologia. Segundo ele, é a ideologia que forma a mente social do indivíduo. Por isso, ela está presente tanto na mente como no comportamento das pessoas. As praticas sociais, portanto, só existem por meio da ideologia, e a ideologia só existe para o sujeito e por meio dele. Deste modo, toda ideologia tem por função constituir os indivíduos em sujeitos concretos.

Segundo Althusser, a transformação da besta humana em sujeito via ideologia é para que este aceite livremente a sua condição de sujeição, e os atos da mesma diante do grande e soberano Sujeito (O Estado). Assim, nossa educação, formadora de nossa mente social, visa servir, em primeiro lugar, aos interesses do Estado, como diria Lacan, “O grande Pai”. Por essa causa, são considerados bons sujeitos, os sujeitos que pela mediação da ideologia da classe dominante presente nos AIEs (Aparelhos Ideológicos de Estado), seguem os modelos propostos pelo sistema capitalista, pela burguesia, sem contestar tais padrões e concepções de mundo. Como Freire diria – “Sujeitos passivos, sem fala[1], unidos visceralmente à natureza”.

A força da ideologia é tão grande que não nos revoltamos quando um ‘colarinho branco’ desvia milhões e não é punido por isso, ao mesmo tempo, achamos legítima a prisão de um reles batedor de carteiras, ou ladrão de celular cujo valor não se compara ao montante de desvio de verba pública feita pelo moço de terno. Achamos que a Canabis Sativa é droga censurável, por isso, criminalizar o usuário é correto, e que é dever do Estado puni-lo, mas, não conseguimos enxergar na imensa multidão de bêbados e alcoólatras, que carregam consigo as sequelas funestas desse vício, a pessoa do drogado e nem a letalidade dessa droga abençoada pelo Estado – como a mídia já veiculou até o ex- presidente a consome sem remorsos – e como sabemos desde criança – a igreja a usa em seus cultos, com moderação é claro! É muito difícil se lidar com ideias inculcadas! Para mim, ambas fazem mal e não devem ser consumidas.

A inculcação da ideologia dominante é aprendida, reforçada e perpetuada na escola, contudo, ela não se origina nela. A inculcação das ideias dominantes tem, antes, origem na formação das classes sociais, no seio do próprio Estado e de seus aparelhos. O Estado é visto por Althusser como uma máquina de repressão que assegura a dominação da classe burguesa e dos proprietários de terra sobre a classe operária para submetê-la ao processo que ele chama de extorsão da mais-valia – a exploração capitalista.

O Estado, segundo Althusser, funciona como um aparelho ideológico e como um poder de força coerciva. Organiza-se como um instrumento que serve para garantir os interesses da classe dominante – a burguesia, sobre a classe dominada – proletariado, ou a classe trabalhadora. Sendo assim, o Estado tem por objetivo assegurar, por meio das ideologias sobre os valores, as concepções de mundo, etc., e/ou da força física, a permanência da burguesia no poder. Como cita os autores a Althusser: “É o aparelho de Estado que define o Estado como força de execução e de intervenção repressiva”. (Linhares, Mesquita e Souza, apud Althusser,1970, p.32).

Para Althusser é o Estado, representante da classe dominadora, quem dita as regras do jogo social. O Estado é normativo; é repressivo das possíveis contestações e revoltas populares; é modelador da sociedade. O discurso considerado legítimo é o dele. Ele dita as regas de convivência, o comportamento padrão, o dito normal e o transgressor por meio de seus AIEs, e caso seja necessário, ele usa seu aparato militar, e/ou policial para manter o que ele considera ser a ordem. A visão marxista de Althusser entende que a existência do Estado só tem sentido em função do poder de Estado. Por isso, Althusser diz que toda a luta política de classes gira em torno do Estado e da detenção e conservação do seu poder. Manter o poder de Estado é o propósito da classe dominante para poder manipular os seus aparelhos ideológicos de Estado, os AIEs.



Os autores do artigo em apreço entendem que Althusser põe o Estado com duas faces distintas, mas, que se complementam. O que usa a repressão pela força e o que usa seu aparelho ideológico. O primeiro é o que se expressa sob o princípio que o Estado deve punir e ou até matar em nome da ordem social, essa é a sua força coercitiva e direta sobre os sujeitos (polícias, exército, tribunais, etc.). O segundo, é o que se expressa pela instauração dos Aparelhos Ideológicos de Estado, é o Estado em que a ideologia é realizada e se torna dominante. Ela tem por objetivo último a reprodução das relações de produção.

Althusser designa por aparelhos ideológicos algumas realidades que podem ser vistas pelos observadores atentos e imediatos sob a forma de instituições distintas e especializadas. Como diz Weber – ‘burocratizadas e racionalizadas’: Os sistemas das diferentes igrejas; os sistemas das diferentes escolas públicas e particulares; a família; o sistema jurídico; o sistema político de que fazem parte os diferentes partidos; os sindicatos; os sistemas de informação: Radio, televisão – a mídia em geral. Todos esses AIEs tem como função servir ao estado, segundo Althusser. Assim, meus caros, parece que existe um determinismo do estado sobre o sujeito, e uma seleção. Esta última ocorre na escola que não é neutra.

O presente ensaio tem como título “A Escola não é um espaço neutro segundo Althusser”. Depois de mostrar as ideias de Althusser sobre ideologia e Estado, os autores do artigo em apreço, tecem suas colocações sobre a escola usando a expressão: “Estado Escolar” em virtude das relações de funcionalidade do aparelho escolar em relação ao Estado. Para eles, a instituição escolar atua sob as orientações e normas do Estado. Ela é constituída como um AIE por ser porta-voz dos interesses da classe burguesa, e por estar, assim, a serviço da classe dominante que detém o poder do Estado e que influencia seus aparelhos ideológicos a seu serviço e em benefício dos seus interesses de classe. Os autores trabalhados nesse ensaio colocam que a escola atua no interesse da estrutura de dominação estatal tendo por finalidade a dominação da classe operária. Para tanto, a escola trabalha promovendo a inculcação das ideias burguesas. Essa dominação, por sua vez, não se dá de maneira direta, através da aplicação explícita da violência como no Aparelho Repressivo de Estado (ARE), mas de maneira disfarçada, indireta, ideológica, por meio de uma “ação pedagógica”.

Althusser acredita que após uma violenta luta de classe política e ideológica como nas revoluções, o aparelho ideológico escolar será o responsável juntamente com o aparelho ideológico político por reproduzir as relações de produção capitalista e de classe. A escola capitalista, nos dias atuais, para Althusser, faz o serviço que era feito pela igreja. O aparelho ideológico moderno, nos nossos dias, a escola, substitui o aparelho ideológico religioso do século XVI. A escola, então, é a responsável para formar sujeitos nos moldes capitalistas desde a infância. A escola trabalha junto com o aparelho estatal repressivo na formação dos cidadãos e na inculcação das ideologias dominantes, e estas estão presentes em todos os discursos escolares, seja na visão de mundo, seja no conteúdo dos livros, na estética e valores morais. Para Althusser o desenho da educação é inspirado na necessidade do estado enquanto instancia normativa, reguladora e repressiva da sociedade, e do poder de estado no qual a classe dominante se apoia – o poder de manipular as ideologias para a reprodução do modelo e perpetuação do status quo.

As colocações de Althusser citadas pelos autores do artigo resenhado que nos inspirou este ensaio são muito sérias. No início dissemos que veríamos a realidade de forma mais nítida. Com certeza, temos agora, meu caro Souza, um olhar mais maduro para o entendimento do pensamento de nosso ilustre pedagogo Paulo Reglus Neves Freire. Em “Pedagogia do Oprimido” Freire enxerga a realidade dicotomizada pelo par dominador/dominado. Isto faz alusão ao pensamento de Althusser. O interessante é que a condição do homem em Althusser é de alienado, pois, o sujeito é cria da ideologia e da necessidade de sua sujeição ao sistema. Assim, o não conhecimento de sua condição é necessário para a ordem geral. O desvelamento pode suscitar a possibilidade de revoltas ou rupturas. Portanto, o discurso do estado dever ser monológico fazendo alusão a Bakhtin, pois, esse discurso tem o interesse que todos sejam uníssonos no pensar e no agir. A contestação demanda explicações – diálogo, e isso o estado não deseja.

Por outro lado, acredito que o olhar de Althusser para o Estado e sua função no mundo não abarca toda a realidade desse objeto. Contudo, devo admitir que o estado, seja capitalista ou socialista, ou apresentado sob outra forma, será castrador de qualquer jeito. No rebanho dos homens sempre alguém dará as ordens e o inteligente obedece. A sociedade harmônica, fraterna e solidária tem existência no mundo ideal. No mundo objetivo, as relações entre os animais chamados humanos são de conflito – cada bicho estará disposto a matar, roubar, ou a fazer de tudo pela carniça – o alimento, seja esse do mundo concreto, ou simbólico. Todavia, ao contrário de Freire, Althusser não contempla a utopia de uma escola que ensine contra a ordem vigente. Embora, em Pedagogia do Oprimido, Freire não cite a revolução armada e a apropriação das ideologias estatais, ele acredita na revolução cultural e vê nela a chance de construção de uma nova realidade para os países capitalistas subdesenvolvidos. No entanto, Freire esbarra na solidez da realidade: “Qualquer estado, seja ele qual for, constituirá uma escola política, jamais neutra, segundo seus interesses”. Se a educação ocorre dentro dos muros da escola, então, toda educação formal será ideológica – trará um germe hospedado para se hospedar no sujeito aprendente e esse germe será potência para o comportamento social. Freire diz que o dominador está hospedado no dominado.

Meu caro Souza, este ensaio teve como intuito mostrar ao ilustre mestre em sociologia que é necessário o estudo de outras variáveis explicativas do fenômeno educação para que possamos amadurecer a importância do pensamento dialogista sobre educação. A teoria dialogista de Freire, implícita em seus postulados, desperta o nosso olhar para um diálogo urgente com outras teorias e outros olhares como a Teoria do Capital Humano, e o determinismo hereditário – social de Bourdie. Paz e Luz!

Referencias:

Linhares, Luciano Lempek; Mesquita, Peri; Souza, Laertes L. de: Althusser: A escola como aparelho ideológico do estado. www.pucpr.br/eventos/educere/educere2007/…/CI-204-05.pdf.

Freire, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 17a. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

[1] A expressão sem fala segundo Freire nos remete aos alunos da escola bancária que para ela, não tinham história; eram meros depositários dos discursos do professor.

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